Há como bloquear o pagamento para empresas, explicam instituições financeiras
(Vinicius Torres Freire, jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA). Na Folha em 27/09/2024)
As tentativas de pagamentos de pessoas físicas para tais e quais empresas teriam de ser bloqueadas. Seria preciso listar oficialmente os CNPJs das empresas classificadas sob certo ramo de atividade (pela CNAE, por exemplo). Pode-se listar também um conjunto de empresas estrangeiras que exerçam tal atividade ou ainda proibir o acesso das estrangeiras às redes brasileiras.
Dá para burlar, claro. Empresas criminosas podem registrar novos CNPJs para camuflar sua atividade. Apostadores com cartão de crédito poderiam fazer pagamentos internacionais a empresas disfarçadas ou que tenham outro meio de se livrar das restrições.
O governo diz que a hipótese de proibição “não está na mesa neste momento”, mas “a estrutura de controle foi montada” de modo a implementar restrições, inclusive de publicidade. Em estudo estão as restrições de Pix, cartão de crédito e cartão do Bolsa Família, como é sabido. Deve haver acompanhamento de perdas e ganhos de cada apostador, a fim de se verificar risco de ruína ou outro problema.
Os argumentos clichê ou também simplórios contra a proibição são basicamente os seguintes
- São ataques à liberdade individual, ou pelo menos limitações indevidas
- Proibições são burladas, “vide a Lei Seca” nos EUA, de 1920 a 1933
É quase tudo verdade. Não é relevante.
Burla e crime sempre houve, ao que se sabe pelo menos desde o Código de Ur-Nammu, escrito em sumério, faz uns 4.000 anos. Relevantes são o grau de burla e custos e efeitos práticos positivos da proibição.
Vivemos sob restrições de liberdades, para resumir uma discussão enorme. É obrigatório usar cinto de segurança ou votar. A interrupção voluntária da gravidez é proibida, afora exceções minoritárias. Podemos beber álcool até morrer ou matar, mas não usar maconha, crack ou heroína. Não se pode criar uma empresa gestora de prostituição (Cafetinex S.A.), mas não é crime se prostituir. Não se pode comprar dinamite ou urânio para uso recreativo (sarcasmo), embora se possa comprar fuzil de guerra. O sabido.
O que vai ser proibido ou permitido depende de regras de moralidade geralmente aceitas e de barganhas políticas e sociais de liberdades e de direitos. Com sorte, depende também de alguma ideia de autonomia, bem-estar social e redução de violências. Um meio razoável de interferir no debate moral ou político é ponderar custos e benefícios de proibições e liberações. É o que falta na discussão da desgraça das bets.