Quem põe em marcha uma operação tão afrontosa ao Estado como essa demonstra, no mínimo, boa segurança na impunidade. Gritzbach havia firmado acordo de colaboração premiada com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), homologado pela Justiça, pelo qual revelou minúcias de um milionário esquema de lavagem de dinheiro do PCC, do qual participou, além do suposto envolvimento de policiais civis e militares com as ações do bando. Tratava-se, portanto, de um homem marcado para morrer. Consta que o PCC havia estipulado uma recompensa de R$ 3 milhões para quem matasse o “dedo-duro”.
Gravíssimo por si só, esse audacioso crime praticado à luz do dia no maior aeroporto do País, e às vésperas da cúpula do G-20, deixa em aberto uma série de questões capazes de sobressaltar até o mais sossegado dos cidadãos. A primeira delas é elementar: como um colaborador da Justiça desse nível, tendo delatado o que e quem delatou, circulava sem a proteção do Estado? Há notícia de que ao menos quatro policiais militares foram contratados por Gritzbach para servirem como seus seguranças “particulares”. O Estadão apurou que três deles não estavam no aeroporto no momento do crime. A Polícia Civil apreendeu os celulares dos quatro agentes para investigação.
Também há que esclarecer como a informação de que Gritzbach desembarcaria naquele dia e horário em Guarulhos chegou aos seus assassinos. A vítima já havia sofrido tentativas de homicídio antes em razão da colaboração premiada e pela suspeita de ter sido o mandante da execução de Anselmo Bechelli Santa Fausta, vulgo “Cara Preta”, um dos líderes do PCC, e do segurança deste, Antônio Corona Neto, o “Sem Sangue”. Que o PCC dispõe de meios para monitorar os passos daqueles contra os quais deseja se vingar, não há a menor dúvida. Mas não se pode descartar que a informação sobre o paradeiro de Gritzbach, sobretudo tendo em vista a vultosa recompensa oferecida por sua morte, tenha partido de agentes públicos que tinham ciência dos termos do acordo de colaboração e/ou detalhes da rotina do empresário.
Espera-se que essas, entre outras questões, sejam esclarecidas após uma minuciosa e diligente investigação. Mas é perfeitamente possível dizer que o Estado já falhou ao não evitar que um crime como esse tenha acontecido onde e como aconteceu. Surgido como um bando miúdo no interior de um presídio em Taubaté (SP), no Vale do Paraíba, o PCC só adquiriu tanto poder bélico e financeiro ao longo dos últimos 30 anos porque pôde contar com a leniência das autoridades policiais e judiciárias, no cenário mais benevolente, ou com seu compadrio remunerado, no pior.
Esse terrível crime praticado à luz do dia não foi “apenas”, por assim dizer, um crime contra um colaborador da Justiça. Foi um recado a todos os que ousarem desafiar o poder do PCC em futuros acordos de colaboração e, principalmente, um insolente desafio ao Estado. A um só tempo, a ação, tão audaciosa quanto cinematográfica, desmoralizou a ordem pública e as forças de segurança. O governo de São Paulo tem o dever de combater essa banalização da violência e da vingança pelas próprias mãos de criminosos do PCC, cada vez mais seguros de si. O descaso diante desse crime não só ameaça a segurança da população, de outras testemunhas e colaboradores, como fragiliza o tecido social, minando a confiança dos cidadãos na capacidade do Estado, como detentor do monopólio da violência, de garantir sua proteção.