(José Ozildo dos Santos, no seu blog Construindo a História, em 10/11/2024)]
José Cavalcanti da Silva ou simplesmente ‘Zé Cavalcanti’, nasceu a 27 de julho de 1918, em São José de Piranhas, no alto sertão paraibano. Filho do casal Manoel Cavalcanti da Silva e Bernardina Soares de Souza, era o segundo de uma prole de onze irmãos. Seu pai, o conhecido ‘seu’ Né Cavalcanti, era abastado fazendeiro naquele município e membro de uma tradicional família local.
No antigo Colégio Salesiano ‘Padre Rolim’, em Cajazeiras, José Cavalcanti iniciou o curso ginasial. No entanto, interrompeu seus estudos para servir ao Exército. Licenciado do serviço militar, a convite do talentoso Padre Manoel Vieira, instalou-se na cidade de Patos, onde, no Ginásio Diocesano, concluiu seus estudos, tornou-se professor de História Geral e do Brasil, naquele estabelecimento de ensino. E, foi nesse período, que conheceu a professora Rosalina Queiroz, com quem veio a contrair matrimônio.
Zé Cavalcanti
Em 1950, a convite de Ernani Sátiro, ingressou na política, elegendo-se deputado estadual pela União Democrática Nacional, sendo o terceiro mais votado entre os quinze candidatos udenistas eleitos para a Assembléia Legislativa. Reeleito para a legislatura seguinte, obteve 3.148 votos no pleito estadual de três de outubro de 1954. Quatro anos mais tarde, conquistou nas urnas seu terceiro mandato parlamentar, totalizando 3.442 sufrágios.
Durante a legislatura de 1959-1963, José Cavalcanti apresentou na Assembléia Legislativa cinco projetos-de-lei, criando os municípios de Serra Grande, Salgadinho, Santa Terezinha, Passagem e Cacimba de Areia, que aprovados, foram sancionados pelo Governador Pedro Gondim, em dezembro de 1961.
Em 1959, lançou-se candidato à Prefeitura Municipal de Patos, sendo derrotado pelo agropecuarista Bivar Olinto de Melo e Silva. No pleito estadual de 1962, Zé Cavalcanti apesar de ter obtido 3.842 votos, ficou na primeira suplência de seu partido – a UDN. Naquele ano, os resultados das eleições de sete de outubro, revelaram um novo cenário político no Estado. O próprio Ernani Sátiro, que tentou reeleger-se deputado federal, teve que se contentar com a primeira suplência da UDN.
Entretanto, com a convocação do deputado Otávio Mariz Maia para assumir a Secretaria de Saúde, no Governo Pedro Gondim, ainda em princípios de 1963, Zé Cavalcanti retornou à Assembléia Legislativa. No entanto, naquele mesmo ano, renunciou seu mandato parlamentar, após ter sido eleito prefeito do município de Patos, nas eleições realizadas a 11 de agosto.
Zé Cavalcanti administrou a cidade de Patos, no período de 30 de novembro de 1963 a 29 de janeiro de 1969, em virtude da prorrogação dos mandatos de prefeitos e vereadores. Em 1965, instituído o bipartidarismo, filiou-se aos quadros da Aliança Renovadora Nacional – ARENA.
Verdadeiro protótipo do político populista – “seu Zé”, como popularmente ficou conhecido – à frente da edilidade patoense, “procurou fazer um governo que atendesse aos interesses de todas as classes”. No entanto, apesar de sua administração ter sido muito discutida e combatida, implantou um novo modelo administrativo no município.
Possuidor de uma visão progressista desenvolveu uma gestão, visando atender as necessidades básicas da população carente. No Bairro de São Sebastião, executou o mais arrojado empreendimento de sua administração: construiu uma vila popular em regime de mutirão – com material e terrenos doados pela Prefeitura, ficando a mão-de-obra a cargo do beneficiado com a nova moradia. Isto, quando ainda não existia o Sistema Nacional de Habitação, o que faz dele um precursor.
Preocupado com a educação, a saúde e o bem-estar de seus munícipes, construiu diversas escolas na zona rural e na sede do município, dotando os bairros da periferia com postos médicos, clubes de mães, calçamentos e iluminação pública, revolucionando-os completamente. Diversificou os locais das feiras livres, construindo pequenos mercados nos bairros mais afastados do centro da cidade.
Sua ação administrativa se fez presente em todos os setores e recantos do município. Na cidade, embelezou diversas vias públicas, a exemplo das Avenidas Epitácio Pessoa e Solon de Lucena. Cuidou da limpeza pública e pôs em prática o primeiro programa municipal de arborização das ruas de Patos, atestando assim, seu valor como administrador e homem público de visão.
No final de sua gestão administrativa, conseguiram entregar à população patoense duas grandes realizações: O Estádio Municipal – que hoje possuí o seu nome – e a Praça João Pessoa, no centro da cidade. A população carente, beneficiada com a construção da vila popular, no Bairro de São Sebastião, batizou-a como “Vila Cavalcanti”, numa justa homenagem ao seu idealizador.
Suas realizações como prefeito do município de Patos, associadas ao carisma que desfrutava junto à população despertaram inveja em alguns políticos locais, ligados ao situacionismo.
Acusações surgiram e em 1972, José Cavalcanti teve seus direitos políticos cassados, pelo regime militar, sem, contudo, ter a oportunidade de defender-se das acusações que lhe foram impostas. Assim, o líder das massas viu ser sepultado o sonho que nutria em retornar à Prefeitura de Patos. Naquele ano, sua eleição era tida como certa, até mesmo, na observação de seus opositores e a cassação foi a única forma encontrada para derrotá-lo.
Homem simples, mas de atitudes fortes e corajosas, “seu” Zé costumava dizer que tinha um carinho muito especial por Patos e que, se não tivesse sido cassado, teria retornado à Prefeitura patoense e ali, novamente, realizado outra administração totalmente voltada para o social.
Cassado, “exilou-se” em João Pessoa. No ostracismo, cercado por poucos amigos, passou a dedicar-se à literatura, escrevendo e falando das coisas do povo do sertão, publicando seus ’causos’ nas paginas do ‘Correio da Paraíba’ e de ‘O Norte’. Assim, a cidade de Patos perdeu o mais autêntico de seus políticos. Mas, por outro lado, a Paraíba ganhou um grande folclorista.
Capa de um dos livros de Zé Cavalcanti
Membro do Instituto de Genealogia e Heráldica da Paraíba, da Associação Paraibana de Imprensa, Zé Cavalcanti que é, até o presente, o mais prolífero contador de estória, da Paraíba, pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e à Academia Paraibana de Letras – onde foi recepcionado a 19 de setembro de 1981, pelo acadêmico Afonso Pereira. Na Casa de Coriolano de Medeiros, onde passou a ocupar a cadeira nº 38, em substituição ao escritor patoense Nelson Lustosa Cabral, representou “a vertente popular da literatura de nosso Estado”.
Diversos foram seus artigos publicados na imprensa paraibana com o pseudônimo de ‘Zé Bala’, cuja alcunha, herdara de seu avô paterno João Cavalcanti da Silva – rico fazendeiro no município de São José de Piranhas – inclusive, assumida sem constrangimento, por vários descendentes daquele patriarca.
Anistiado, Zé Cavalcanti retornou ao cenário político paraibano. Em 1986, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro, lançou-se candidato à Assembléia Legislativa. A falta de recursos financeiros, aliada a sua longa ausência do meio político, fortemente refletiram na votação obtida no pleito realizado a 15 de novembro daquele ano. Com o passar do tempo, a cidade de Patos havia esquecido seu grande benfeitor. E, decepcionado com o desempenho de sua candidatura, o velho Zé Bala recolheu-se definitivamente à vida privada.
Em João Pessoa, onde viveu os últimos anos de sua vida, numa modesta casa na praia do Bessa, faleceu aos 31 de dezembro de 1995, deixando inédita grande produção literária. De sua união com a professora Rosalina Queiroz Cavalcanti, nasceram três filhos: José Bertânio, Maria Berlânia (médica) e Bernânio.
Seu corpo foi velado no salão nobre da Academia Paraibana de Letras. E, no final da tarde do dia 1º de janeiro seguinte, saiu o féretro acompanhado por um grande número de amigos, familiares e admiradores para o Cemitério de Nossa Senhora da Guia, de João Pessoa, onde foi sepultado. À beira de seu túmulo, falaram personagens do meio cultural e político paraibano, que, unanimemente, enalteceram a personalidade daquele que em vida, foi o maior contador de ‘causos’ da Paraíba.
Folclorista, memorista e poeta popular, José Cavalcanti da Silva era um espírito alegre, possuidor de uma memória invejável. Escrevendo, utilizava um estilo próprio, jamais visto e toda a sua vasta bibliografia, possui cunho folclórico.
Em vida, publicou 26 livros, narrando as his(es)tórias alegres do povo sertanejo, entre eles, citamos: Potocas, Piadas e Pilhérias (1974); Casca e Nó (1974); Sem Peia e Sem Cabresto (1975); Bisaco de Cego (1977); Gaveta de Sapateiro (1977); Espalha Brasas (1979); Rabo Cheio (1980); As Fofocas de Seu Zé (1984); 360 Lorotas Políticas de Seu Zé (1985); Pais Tolos, Filhos Sabidos; Sabedoria Popular; Um Setentão; Quengada de Matuto; Curupacopapaco; Sertanejadas e Buscapé, livros que reúnem “um punhado de pequenas estórias que deliciaram grandemente seus leitores, algumas de teor picante”.
Patrono da cadeira nº 15, do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, José Cavalcanti da Silva era um homem puro, autêntico, que não escondia palavras. Com um estilo próprio, rico no linguajar popular, descreveu e relatou fatos da vida sertaneja, numa originalidade que somente era sua. E, como imortal, será sempre lembrado como um dos maiores folcloristas paraibanos.