Atentado em Brasília expõe risco da banalização da retórica de intolerância política encampada pelo bolsonarismo. Tolerar atos e discursos antidemocráticos é premiá-los com a impunidade
A saúde mental do homem, que morreu após detonar uma das bombas em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), já começou a ser objeto de especulação no sentido de relevar a gravidade de sua malévola intenção de explodir o carro em um dos estacionamentos da Câmara dos Deputados e, como as imagens registradas por câmeras de vigilância mostraram, no perímetro do edifício do STF.
Fato é que o sr. Francisco Luiz deixou em vida registros em profusão que dão uma boa ideia de sua afinidade com a “agenda política”, por assim dizer, do bolsonarismo, como a aversão à democracia liberal, às instituições republicanas e, não menos importante, à política como uma construção civilizatória baseada no respeito entre adversários, pois consubstanciada na força dos argumentos, não na violência.
Nesse sentido, é incontornável vincular o atentado perpetrado pelo agressor no dia 13 passado – que por sorte não fez outras vítimas de sua torpeza – a uma diligente campanha de estímulo à violência política no País capitaneada por Jair Bolsonaro, em particular à sua retórica virulenta contra o STF e alguns de seus ministros, além de seu discurso corrosivo à legitimidade da Corte.
O ex-presidente, por óbvio, não inaugurou a violência política no Brasil nem muito menos tem relação direta com as explosões. Mas seria uma afronta à “verdade dos fatos” – aquela que interessa politicamente, para recorrer à célebre reflexão de Hannah Arendt – ignorar que, após a ascensão de Bolsonaro à Presidência da República, a violência política passou a assombrar o País em uma escala jamais vista desde a redemocratização, e lá se vão quatro décadas.
Sob Bolsonaro, naturalizou-se entre uma parcela considerável da sociedade o desprezo pelo Estado Democrático de Direito, seus princípios mais comezinhos e suas instituições representativas, principalmente o STF. Não poucos brasileiros olharam para o triunfo eleitoral daquele oficial do Exército que se retirou em desonra das Forças Armadas e construiu uma obscura carreira parlamentar tecendo loas à ditadura militar e à tortura, pregando o fechamento do Congresso e o fuzilamento de adversários políticos – nada menos – como uma espécie de sinal verde para o emprego da violência como um recurso legítimo para a afirmação de vontades na esfera pública.
Evidentemente, nem todo radical político se lança à prática de atentados, tal como o fizeram os terroristas que tentaram explodir um caminhão-tanque de combustível no Aeroporto de Brasília, na véspera do Natal de 2022, a turba que tomou a capital federal de assalto no 8 de Janeiro ou, agora, Francisco Luiz, entre outros casos. Mas todos esses delinquentes travestidos de “patriotas” assim agiram porque se sentiram encorajados por uma atmosfera golpista que só se instalou no País em tempos recentes sob os auspícios de Bolsonaro.
Nos últimos dias, Bolsonaro até tem tentado fazer o País acreditar que ele teria se convertido à democracia. Piadas à parte, se democrata fosse, o ex-presidente teria condenado veementemente – e sem adversativas – não apenas o atentado ocorrido anteontem, mas todos os atos de violência política que foram praticados em nome de sua agenda liberticida nos últimos anos, algo que ele, evidentemente, não fará.
O terrível episódio serve de alerta para o risco de menosprezar a capacidade de ação dos inimigos da democracia. Se já era acintoso falar em anistia para os golpistas com tamanha naturalidade, resta evidente que, a prosperar esse despautério, estará dado o recado de que a violência política é passível de ser recompensada com a impunidade.