Caso essas alianças se mantenham firmes até fevereiro, data da eleição, Hugo Motta será o quinto presidente da Câmara eleito por aclamação após ser candidato único. Antes dele, também o foram Flávio Marcílio (Arena/PDS), Ibsen Pinheiro (PMDB), Michel Temer (PMDB) e João Paulo Cunha (PT). Isso assegura a Motta um triunfo político inquestionável, revelado por atributos que lhe garantiram bons padrinhos e trânsito gelatinoso em meio às siglas e ideologias com vida no Congresso. Mérito de quem é jovem, mas está há 14 anos na Câmara, fez parte da base dos governos Temer e Bolsonaro e é próximo do governo Lula – apesar de ter votado a favor do impeachment de Dilma Rousseff, do teto de gastos e da reforma trabalhista, agendas abominadas pela cartilha lulopetista.
Em se tratando de Câmara dos Deputados, porém, o histórico de eleições por aclamação desabona prognósticos muito otimistas ou elogios sem reparos. As aclamações de Marcílio, por exemplo, se deram num contexto do bipartidarismo da ditadura militar – ainda em plena abertura lenta e gradual, em 1979 e 1983. Ibsen Pinheiro, em 1991, teve a candidatura marcada pelo que na época ficou conhecido como “Anões do Orçamento”, o ruidoso caso envolvendo parlamentares em desvios e fraudes em recursos do Orçamento da União. Ibsen acabaria cassado três anos depois, acusado de sonegação e enriquecimento ilícito, até voltar à vida pública mais tarde.
Temer venceu por aclamação, em 1999, no contexto das deliberações que culminaram na Emenda Constitucional 16, que instituiu a reeleição dois anos antes. Embora até hoje seja reconhecido como um habilidoso político e grande conciliador, ele, que vinha do primeiro mandato de presidente da Câmara, foi beneficiado pelo novo instituto, com o qual também se fartariam o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, governadores e prefeitos. João Paulo Cunha, por sua vez, chegou sem adversários ao comando da Câmara, em 2003, ainda empurrado pela onda vermelha que invadiu o País com a eleição de Lula da Silva, no fim do ano anterior. Foi sob sua gestão na Câmara que ocorreu o inesquecível mensalão, escândalo de compra de votos que quase derrubou Lula.
Não está escrito nas estrelas que Motta repetirá a má trajetória dos eleitos por aclamação. Mas numa Casa que mistura acordos e consensos legítimos com a mesma desenvoltura com que interesses menores e troca de favores operam nas sombras, o temor é inevitável e a vigilância, imprescindível.