STF decide que pobres são incapazes (confira comentário nosso)

By | 19/11/2024 3:49 pm

Ao mandar o governo impedir que benefício do Bolsa Família seja usado para pagar ‘bets’, Supremo dá a entender que pobres, por definição, não sabem tomar decisões sobre seu dinheiro

Imagem ex-librisO colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão unânime, confirmou a liminar do ministro Luiz Fux que obriga o governo federal a adotar mecanismos técnicos para impedir que beneficiários do Bolsa Família utilizem recursos do programa em apostas online, as chamadas bets. Decerto todos os ministros do STF acreditam ter dormido o sono dos justos na noite do dia 14 passado, seguros de terem tomado mais uma daquelas decisões “iluministas” – agora no sentido de resguardar os brasileiros mais desvalidos dos males dos jogos de azar. A demão de virtude, porém, mal esconde o autoritarismo, o preconceito, a incoerência e a afronta à Constituição que subjazem à suposta boa intenção.

Senão vejamos. A decisão do STF é autoritária porque determina como uma parcela dos cidadãos deve dispor de seu próprio dinheiro. O Bolsa Família, deveria ser ocioso lembrar após tantos anos de vigência do programa, não é necessariamente voltado à alimentação dos beneficiários. Fosse assim, seria o caso de o governo federal substituir o Bolsa Família por um “cartão alimentação”, utilizável apenas em vendas e supermercados para compra de comida. Além disso, por que proibir o uso desse dinheiro apenas em apostas, e não, por exemplo, em bebidas alcoólicas, cigarros ou prostituição? Pensando bem, diante do ânimo paternalista do Supremo, é melhor não dar ideias.

Cada brasileiro tem o direito de dispor de sua renda como bem entender, mas, para os doutos ministros do Supremo, isso não se aplica aos cidadãos cuja renda deriva da transferência do Bolsa Família. Estes, conforme o entendimento dos magistrados, são incapazes de tomar suas decisões e de arcar com as consequências delas.

A decisão do STF também é preconceituosa porque trata os brasileiros mais pobres como uma massa de incapazes que precisam ser tutelados pelo Estado, como se a pobreza, por si só, os tornasse ignorantes em termos de dinheiro. Os prejuízos individuais e familiares – sociais e financeiros – do vício em jogos de azar recaem sobre os cidadãos em geral, inclusive, e sobretudo, sobre os que mais têm recursos para apostar nas tais bets. E não consta que os ministros do Supremo cogitem de determinar como esses cidadãos mais abonados, não necessariamente mais ricos, vão dispor de seu patrimônio. Por que, então, fazê-lo em relação aos beneficiários do Bolsa Família, senão por uma visão enviesada sobre eles apenas em razão da fonte de sua renda?

Não bastasse tudo isso, a decisão do STF de determinar que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome impeça o uso do Bolsa Família para apostas online é ainda incoerente. Desde o início, o programa de transferência de renda prioriza as mulheres, em particular as mães chefes de família, como as responsáveis pelo recebimento do benefício. O Estado sempre tratou essas cidadãs como as mais aptas para gerir os recursos, sem jamais tolher sua capacidade de decidir onde e como empregar o Bolsa Família. No máximo, há algumas contrapartidas muito razoáveis, como, por exemplo, manter a vacinação dos filhos em dia, matriculá-los na escola, entre outras. Pois esse mesmo Estado, representado por sua mais alta Corte de Justiça, agora parece não vê-las assim tão responsáveis como outrora.

Por fim, mas não menos importante, a decisão do STF é afrontosa à Constituição, por incrível que possa parecer, em particular ao princípio da dignidade da pessoa humana consagrado no artigo 1.º da Lei Maior. Está claro para este jornal que um Estado que considera uma expressiva parcela de seus nacionais incapaz de tomar decisões que afetam diretamente sua vida apenas porque recebe um benefício público é um Estado que a trata de forma indigna.

Os males da jogatina nada têm a ver com pobreza. É possível que, a depender do caso, o impacto das apostas online na renda e no patrimônio de um beneficiário do Bolsa Família seja até proporcionalmente menor do que a dilapidação de grandes fortunas em decorrência do vício em jogos de azar entre os mais ricos. É de paternalismo, puro e simples, que se está tratando.

– Não concordo com a opinião do Jornal. O STF está visando impedir que tais pobres roubem outros pobres como eles, que precisam mais do que eles e que podiam estar recebendo este dinheiro. Quando a Polícia e a Justiça tentam impedir outros roubos de pobres ou de ricos não se louva a Polícia e a Justiça, por que só quando a Justiça tenta desviar o uso do dinheiro que os miseráveis ao invés de destinar para alimentação, desviam para o jogo é que a Justiça está errada? Se um pobre roubar no Supermercado e alegar que estava com fome, o que acontece? Vai preso. Ninguém diz que ele está sendo considerado injustiçado e que está apenas em seu direito, por está com fome. (LGLM)

Comentário

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *