Entre os indiciados estão muitos ex-ocupantes de altos cargos da República durante o governo de Jair Bolsonaro, o que torna ocioso apontar a gravidade e o ineditismo da conclusão dessa minuciosa investigação policial. Basta dizer que, além do próprio Bolsonaro, que obviamente seria o maior beneficiário do eventual sucesso de um golpe, terão de prestar contas à Justiça os generais da reserva Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que foram os principais assessores do então presidente no Palácio do Planalto.
Embora já fosse esperado, dado o andamento das investigações da PF, o indiciamento da alta cúpula do governo Bolsonaro e do próprio ex-presidente mostra que a trama golpista, se realmente houve, provavelmente não se circunscreveu a um punhado de oficiais de segundo escalão em conluio com agentes policiais. A ser verdade o que a PF diz ter descoberto, o País esteve à beira da ruptura e esse movimento contou, na hipótese benevolente, com a omissão de Bolsonaro, já que parece ser impossível que nem ele nem os generais que o assessoravam não tivessem conhecimento do complô. Tudo ganha contornos ainda mais dramáticos quando se imagina a hipótese menos benevolente: a de que Bolsonaro não só sabia, como jamais desestimulou a sedição, o que comprovaria de vez seu já notório golpismo.
Outro que se vê mais uma vez enredado por uma espessa teia criminosa é o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, um habitué de inquéritos policiais. O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, e Anderson Torres, que foi ministro da Justiça naquela gestão, também estão entre os indiciados por suspeita de participação na intentona.
Agora que essa suposta tentativa de golpe passou a ter, oficialmente, nome e sobrenome, cabe ao Ministério Público e ao Poder Judiciário processar e julgar cada um dos acusados, na medida exata de sua responsabilidade. Os que forem considerados culpados, sem distinção, devem ser punidos com todo o rigor da lei, pois é este, e somente este, o instrumento de que dispõe o Estado Democrático de Direito para repelir os ataques de seus inimigos e desencorajar audácia semelhante no futuro.
As investigações mostram que o planejamento do suposto golpe foi realizado durante reuniões com oficiais da cúpula das Forças Armadas. É estupefaciente. Conclui-se que só não foi concluído porque o Alto Comando do Exército, em sua maioria, assim não quis. Há provas documentais da conspiração. Não há perdão possível para quem se lança em uma empreitada delinquente como essa. Se já era inaceitável falar em anistia para os que tramaram acintosamente contra a Constituição antes que esse suposto complô fosse revelado em contornos tão vívidos, espera-se que agora ninguém mais ouse condescender com quem, por meio da força bruta, tentou subverter a soberania da vontade popular.
Ficou claro a partir do relatório de indiciamento de Bolsonaro et caterva que a dicotomia entre legalidade e ilegalidade, natural para qualquer cidadão decente, jamais fez parte do léxico dos militares golpistas. Para essa turma, imperava uma mentalidade absolutamente distorcida que opõe “moralidade” à “imoralidade”, sendo “imoral”, para essa súcia de sediciosos, dar posse ao “vagabundo”, como se referiu ao presidente Lula da Silva o general reformado Mário Fernandes, preso no dia 19 passado por suspeita de ter tramado o seu assassinato com outros “kids pretos”, como são conhecidos os militares das Forças Especiais do Exército.
O indiciamento pela PF é apenas o primeiro passo para que o golpismo que grassou neste país com espantosa naturalidade tenha uma resposta institucional à altura da ameaça que representou.