Ex-mandatário confirma que debateu estado de sítio, negado por chefes de Forças; medida extrema se basearia em mentiras
(Opinião da Folha, em 27/11/2024)
Jair Bolsonaro (PL) só não levou adiante um golpe de Estado “em razão de circunstâncias alheias à sua vontade” —eis uma afirmação incontestável do inquérito da Polícia Federal acerca das tratativas do então presidente e de auxiliares, a maioria do meio militar, para não entregar o poder após a derrota eleitoral de outubro de 2022.
O próprio Bolsonaro, afinal, já desistiu de negar sua participação em um episódio central e bem esmiuçado nas investigações da PF: as discussões internas para a decretação de estado de sítio e de defesa ou operação de Garantia da Lei e da Ordem antes da posse do eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Argumenta o ex-mandatário que tais instrumentos estão previstos na Constituição, o que descaracterizaria golpismo. A linha de defesa formalista não dá conta, porém, do absurdo que teria sido adotar alguma dessas providências extremas sem nada que as justificasse além de mentiras grosseiras sobre as urnas eletrônicas e o processo eleitoral.
São fatos gravíssimos e não sujeitos a especulações. Restará, num muito provável processo mais à frente, examiná-los à luz da legislação de defesa do Estado democrático de Direito.
Menos documentado, até o momento, é o papel de Bolsonaro em um plano ainda mais tresloucado e macabro para assassinar Lula, seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de Moraes, então à frente da Justiça Eleitoral —que, segundo o inquérito da PF, corria em paralelo aos debates sobre o decreto golpista.
Nesse caso, as conclusões da investigação se amparam nos contatos entre o então mandatário e militares envolvidos na conspiração, datas e horários de reuniões.
É notório que, após o segundo turno da eleição, Bolsonaro mergulhou em silêncio de mais de um mês, só quebrado em 9 de dezembro por um discurso improvisado e dúbio a apoiadores. Ali, em vez de algum gesto de grandeza no reconhecimento da derrota, saiu-se com a declaração de que “as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo”.
No penúltimo dia daquele ano, embarcou para os EUA, onde ficaria até 30 de março. Em 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas ensandecidos invadiram as sedes dos três Poderes esvaziadas num domingo em Brasília.
A PF busca traçar um fio condutor entre todos esses acontecimentos, o que ainda passará pelo crivo da Procuradoria-Geral da República e, após a esperada apresentação de denúncia, pelo Supremo Tribunal Federal. Sobram evidências da hostilidade de Bolsonaro à democracia, o que não pode ser pretexto para negligenciar o rigor e o equilíbrio no julgamento de seus atos.