Versão de que militares trairiam Bolsonaro após golpe é conversa pra boi dormir

By | 02/12/2024 7:12 am

Não é isso que está na planilha: tentativa de legitimar o plano golpista era baseada na ideia de fraude eleitoral apontada por Bolsonaro e não haveria como obter apoio popular para sustentar a ruptura sem ele

(Diogo Schelp, no Estad]ao, em 01/12/2024)

Foto do author Diogo Schelp Enquanto Jair Bolsonaro lança apelos públicos por anistia, com direito a um “por favor” dirigido diretamente ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado em 2022, a defesa do ex-presidente dedica-se a construir uma nova versão dos fatos incriminadores levantados pela Polícia Federal. O advogado Paulo Cunha Bueno disse que uma junta militar a ser criada no dia 16 de dezembro, conforme plano encontrado nos arquivos do general Mario Fernandes, é que seria a beneficiada de um golpe, não Bolsonaro. Os integrantes desse grupo assumiriam o governo no lugar dele, segundo Bueno.
Após ser indiciado por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) desembarcou em Brasília na última semana
Após ser indiciado por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) desembarcou em Brasília na última semana Foto: Wilton Junior/Estadão

Bolsonaro já vem dizendo, desde o seu indiciamento junto com outras 36 pessoas no âmbito desse inquérito, que estudou alternativas para não ter de entregar o poder a Lula, mas tudo “dentro das quatro linhas” da Constituição e que, de resto, não tinha conhecimento de uma conspiração golpista. A soma das falas de Bolsonaro com as de seu advogado procura levar à conclusão de que o teor de qualquer conversa dele com os outros indiciados estava dentro da lei e de que, se houve uma tentativa de golpe, ocorreu à sua revelia e ele não ganharia nada com isso.

A versão de que os militares tramaram uma ruptura institucional pelas costas de Bolsonaro e que pretendiam traí-lo em seguida, em um verdadeiro golpe dentro do golpe, não é crível por três motivos. Primeiro, porque não é isso que está escrito na planilha do general Fernandes, segundo a PF. O documento detalha a estrutura e as funções de um gabinete de crise a ser instalado no dia seguinte ao golpe. Entre as suas atribuições estava assessorar Bolsonaro, não substituí-lo, como comprova esse trecho: “Proporcionar ao Presidente da República maior consciência situacional das ações em curso a fim de apoiar o processo e tomada de decisão.” O tal gabinete de crise — que vem sendo chamado de “junta militar” porque seria chefiado pelos generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto — teria também a tarefa de cooptar o apoio do Congresso, coordenar as ações de agências de inteligência e das Forças Armadas, aplicar medidas jurídicas e estabelecer um discurso único para dentro e para fora do país.

Segundo, porque a tentativa de legitimação do plano golpista (o “discurso único”) se sustentava na ideia de que as eleições vencidas por Lula tinham sido fraudadas, uma narrativa que vinha sendo construída e incentivada por Bolsonaro desde o início do seu governo. Na visão dos golpistas, e isso fica claro nos documentos citados pela PF, o poder a ser combatido, deposto, era o do TSE e do STF, não o de Bolsonaro. Esse seria mantido no cargo até a realização de novas eleições.

Terceiro, porque Bolsonaro é um líder personalista e carismático, figura indissociável do movimento que bloqueou estradas e se instalou nas portas dos quartéis pedindo intervenção militar após sua derrota nas urnas. Naquele momento, com o “mito” instalado no Palácio do Planalto, seria inviável contar com o apoio popular do bolsonarismo sem Bolsonaro. Uma situação muito diferente de 1964, quando o deputado Ranieri Mazzilli assumiu interinamente a presidência após o golpe, mas quem passou a mandar de fato era uma junta militar. Em 2022, o tal gabinete de crise teria muita dificuldade de construir um discurso de legitimidade se, além de atropelar o resultado da eleição, afastasse Bolsonaro do poder. Golpe dentro do golpe? Conversa pra boi dormir.

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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