Estudo do Todos Pela Educação revela que os concursos públicos para seleção de professores não testam a capacidade dos profissionais de efetivamente saber dar aula
Os dados são preocupantes porque a principal função do professor é, obviamente, saber ensinar – o que presume não apenas o domínio do conteúdo, mas a capacidade de estimular os alunos a refletir sobre o conhecimento transmitido. Quando falham em aferir esta competência, os concursos acabam funcionando mais como um mero vestibular, como bem definiu Ivan Gontijo, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.
Grandes especialistas em suas áreas nem sempre são capazes de explicar as ideias que tão bem conhecem, os conceitos que formularam ou os mistérios que destrincharam, o que só reforça a necessidade de que o professor, ao contrário do vestibulando, não se limite a repetir conceitos consagrados.
Ao examinar 76 provas de diferentes bancas de avaliação e cerca de 5 mil questões objetivas, o Todos pela Educação chegou à conclusão de que tanto nas redes estaduais (66%) quanto nas municipais (70,2%) predominam questões que testam os aspectos teóricos das disciplinas. Provas que cobram o aspecto prático do ensino são aplicadas em apenas quatro redes estaduais e cinco municipais.
Diante deste cenário, é urgente que o processo de seleção de professores seja aprimorado. O ministro da Educação, Camilo Santana, defendeu há poucos dias, em evento promovido pelo Estadão, a criação de uma prova nacional de ingresso na carreira docente, medida que, se implementada, pode aperfeiçoar o processo de seleção de professores e racionalizar custos.
De acordo com Gontijo, é muito mais fácil produzir uma única prova que sirva como um filtro nacional de seleção do que aprimorar 5 mil concursos diferentes Brasil afora. Um teste nacional também permitiria que Estados e municípios passassem a ministrar provas para avaliar a capacidade de dar aulas daqueles professores que já tivessem passado pelo filtro do conteúdo no teste nacional, o que, além de garantir que os professores contratados saibam ensinar, ainda permitiria a economia de recursos públicos.
Nessa fase de avaliação prática, sugere o Todos pela Educação, o professor poderia, por exemplo, simular uma aula, permitindo aos examinadores uma análise da capacidade de planejar atividades pedagógicas e da gestão do ambiente de aprendizagem.
A avaliação do “saber dar aula” também é necessária para que cursos de Pedagogia aperfeiçoem suas próprias práticas de ensino. Não faltam indícios de que a formação dos professores brasileiros é deficiente, sendo o mais trágico deles o desempenho dos alunos do País em exames nacionais e internacionais de aprendizagem, como o Ideb e o Pisa, no qual o Brasil tem desempenho vexatório.
A falta de prática em cursos de formação de professores, por sinal, já havia sido demonstrada pela pesquisadora Bernardete Gatti há mais de 15 anos. Tempos depois, em 2018, em entrevista à revista da Fapesp, ela chamava a atenção para o fato de que “os professores de futuros professores” ou não tinham formação pedagógica ou a receberam em condições bastante genéricas.
Os estudos do Todos Pela Educação e da professora Gatti deixam claro que há um círculo vicioso: professores não recebem formação para dar aulas, realidade mascarada pelo fato de que esta habilidade não é testada nos concursos.
Para o bem de alunos, de professores e do sistema de ensino brasileiro, é preciso que os processos de seleção sejam urgentemente aperfeiçoados. O País já dispõe de estudos suficientes para saber qual é o problema e tomar providências.
Comentário nosso – Concordo plenamente. O bom professor não é aquele que denomina completamente uma matéria, mas aquele que sabe transmitir a matéria. Tive professores no antigo curso científico, em matérias como Física que mostravam amplo conhecimento da matéria, mas não sabiam transmitir o que sabiam. Ou seja, o professor tem que ter o jeito de ensinar. E o estudo que aqui se comenta diz que nos concursos e mesas a que se submetem, os candidatos não são submetidos a questões que testem sua capacidade de transmitir o conteúdo. Ou sejam sabem tudo da matéria, mas não estão preparados para ensiná-la! (LGLM)