Prisão de Braga Netto mina imagem das Forças, que deveriam apoiar veto à participação de agentes em governos e eleições
(Opinião da Folha, em 22/12/2024)
A passagem do general Eduardo Pazuello pelo Ministério da Saúde parecia ser a imagem pronta e acabada para ilustrar os problemas da militarização da máquina governamental, pois o conjunto das Forças Armadas tornou-se motivo de piadas devido à incompetência atroz de um de seus membros no manejo da pandemia de Covid.
Isso mudou. Em fins de novembro, ao concluir o inquérito sobre as maquinações golpistas contra a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Polícia Federal indiciou diversos militares, entre os quais sete oficiais-generais. Um deles, Walter Braga Netto, acabou preso preventivamente no último dia 14, acusado de tentar interferir nas investigações.
Ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (PL) e candidato a vice na chapa derrotada de 2022, Braga Netto assumiu o lugar de destaque que Pazuello ocupou até dias atrás. Não o fez por superar a inépcia de seu colega, e sim por simbolizar um problema muito mais grave: o risco que paira sobre a política quando a caserna atravessa suas portas.
O ineditismo de sua prisão causa inegável constrangimento nas Forças Armadas, ainda que nem exista a denúncia formal a ser escrutinada em processo legal com amplo direito a defesa. Por mais que a cúpula da instituição procure distanciá-la de Braga Netto, há um limite para o uso desse argumento em relação a um militar de carreira tão longeva e de patente tão reluzente.
De resto, entre 40 indiciados pela PF até aqui, nada menos que 28 vestem farda, ou 70% do total. Para piorar, além de Braga Netto há outros quatro generais de quatro estrelas na lista.
A intentona não se materializou porque as instituições resistiram —e, em particular, porque o então comandante do Exército, general Freire Gomes, recusou-se a apoiar uma decretação de estado de sítio ou defesa. Não convém, entretanto, aceitar novos riscos para o futuro.
O país precisa, de uma vez por todas, aprovar normas constitucionais que impeçam militares da ativa em cargos de governo ou em candidaturas eleitorais.
Não se trata de panaceia —o próprio Braga Netto é reservista, condição à qual não caberiam restrições. Entretanto é importante e urgente que a legislação estabeleça uma linha divisória entre as funções das Forças Armadas, que devem servir ao país, e as de governo.
A distinção deve tanto preservar os fardados de eventuais insucessos da administração como evitar que governantes façam uso indevido do poder armado. A proteção institucional é de interesse das próprias Forças, que fariam bem em não opor resistências a propostas nesse sentido em tramitação no Congresso.