O espírito do golpismo continua vivo

By | 08/01/2025 7:47 am
Imagem ex-librisHá exatos dois anos, o Brasil assistia à invasão das sedes dos Três Poderes, incitada não por manifestantes que exerciam espontaneamente sua liberdade de expressão, mas por um violento grupo de falsos patriotas que, inconformados com o resultado das eleições presidenciais, apostaram na instabilidade e no caos. Liberticidas depredaram prédios públicos, destruíram obras de arte, atacaram de maneira infame nossas principais instituições e deixaram rastros de destruição, choque e espanto. Tudo filmado inclusive pelos próprios criminosos, decerto convictos de que não seriam punidos.

Ao longo de todo o tempo decorrido desde então, os adeptos do golpismo trataram de minimizar o que assistimos naquele dia. Ora argumentam que tudo não passou de simples “vandalismo”, ora dizem – como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro, guru dos vândalos – que os presos são “chefes de família, senhoras, mães, avós”, isto é, gente incapaz de dar um golpe de Estado.

Isso mostra que o espírito do golpismo está mais vivo do que nunca. Pode-se discutir se o 8 de Janeiro, em si mesmo, foi de fato uma tentativa de golpe, mas é indiscutível que a depredação das sedes dos Três Poderes, com a declarada intenção de manifestar inconformismo com o resultado da eleição presidencial de 2022, é a mais pura expressão do profundo desrespeito pelas instituições democráticas – e esse desrespeito é precisamente o que constitui o ânimo putschista. Que ninguém se engane: aqueles que tentam confundir a opinião pública a respeito do 8 de Janeiro, como se o que ocorreu ali tivesse sido apenas um passeio familiar que degenerou em bagunça, fazem-no com o objetivo de tornar tolerável que se ponham abaixo os símbolos da concertação política que viabiliza a vida civilizada e produtiva em sociedade.

Essa tentativa de normalizar a ofensa às instituições democráticas não começou no 8 de Janeiro nem culminou ali. É um processo longo de desmoralização da República, que teve em Jair Bolsonaro seu mais bem-sucedido líder e instigador e que se perpetuará com os filhotes do bolsonarismo, alguns deles até mesmo mais ousados que o mestre. Contra esse estado de coisas, só há dois remédios, que devem ser tomados de modo combinado: primeiro, providenciar que nenhum participante da trama golpista ora investigada, seja civil, seja militar, fique impune; e, segundo, preservar a memória do horror do 8 de Janeiro, impedindo que os golpistas reescrevam maliciosamente a história conforme seus propósitos liberticidas.

Num país marcado pela baixa vocação à memória, esses dois anos ajudaram a sedimentar a ideia de que o 8 de Janeiro não é mero fato pretérito, mas uma ferida aberta na sociedade brasileira; que não foi fruto de geração espontânea, mas de orquestração golpista; que não se resumiu a meros e aleatórios atos de vandalismo, mas vicejou da insídia do bolsonarismo e de seu maior vândalo político – o presidente que passou anos lançando suspeitas sobre as instituições e alimentando a resistência a todo e qualquer resultado das urnas que lhe fosse desfavorável. Foi o seu ardil para criar as condições que conduzissem o Brasil a uma ruptura, a ser resolvida por tiranetes bolsonaristas.

Vale repetir sempre: sem Jair Bolsonaro não haveria 8 de Janeiro. Coube ao ex-presidente criar o mito fundador do golpismo contemporâneo. Como toda corrente autoritária, o bolsonarismo tentou capturar para si o monopólio da virtude cívica. Tratou o Exército como se fosse dele. Falseou a ideia de patriotismo e usurpou o pensamento conservador. No 8 de Janeiro, porém, os verdadeiros patriotas estavam assistindo atônitos às cenas de depredação e violência, e não atacando as sedes dos Três Poderes; já os verdadeiros conservadores preconizam a preservação das instituições e defendem o império da lei e do Estado de Direito, e não a sua destruição.

A boa notícia é que, passados dois anos, 86% dos brasileiros, segundo pesquisa Genial/Quaest, desaprovam o ataque aos Poderes, patamar que se mantém em todas as regiões, faixas de renda, escolaridade e idade. Não há diferença estatística nem mesmo entre eleitores de Bolsonaro e do presidente Lula da Silva.

Ou seja, a maioria dos brasileiros sabe muito bem o que viu em 8 de janeiro de 2023.

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Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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