Se o resultado da auditoria, por si só, já causa espanto, os detalhes são estarrecedores. De um total de 676 ONGs que devem receber dinheiro público a partir de indicações de emendas parlamentares do mês passado, a CGU selecionou somente as 26 entidades que embolsariam mais recursos. As 13 que tiveram os repasses suspensos receberam R$ 142 milhões em emendas entre os dias 2 e 21 de dezembro. Quem apresentou informações incompletas recebeu prazo de dez dias para complementá-las, sob pena de também ter as próximas transferências bloqueadas.
As ONGs inspecionadas pela CGU não possuem restrições que impeçam o recebimento de recursos públicos, e é possível que não se apure nada que desabone sua atuação. Independentemente disso, não há como justificar a ausência de transparência.
É obrigação de cada uma delas prestar contas e divulgar na internet, de forma acessível, clara, detalhada e completa, o recebimento e a execução das verbas. A publicidade é um dos princípios constitucionais da administração pública. Somente com esses dados é possível acompanhar as políticas públicas, avaliar seus resultados e, eventualmente, aumentar a verba enviada ou direcioná-la para ações mais efetivas.
Em se tratando de emendas parlamentares, no entanto, a opacidade parece ser a regra em ao menos uma das etapas da cadeia – quando não em todas elas. Com o orçamento secreto, revelado pelo Estadão e declarado inconstitucional pelo STF no fim de 2022, deputados e senadores se esforçavam para escamotear a autoria das indicações, lógica que se repetiu com as emendas de comissão.
Já por meio das emendas Pix, a autoria da indicação e o destino da verba até eram identificados. No entanto, uma vez que o recurso chegava ao caixa dos municípios e Estados, prefeitos e governadores podiam gastá-lo livremente, sem a necessidade de definição prévia do programa, projeto ou atividade que seriam financiados.
Talvez não haja exemplo melhor a ilustrar a dimensão desse problema do que a queda da Ponte Juscelino Kubitschek de Oliveira, entre Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), no fim de dezembro. Embora o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) tenha apontado a existência de danos estruturais e a necessidade de reparos já em 2020, deputados e senadores da região optaram por alocar suas emendas em várias outras finalidades nos últimos anos.
Parte dos R$ 5,3 milhões enviados por meio de emendas Pix a um dos municípios, por exemplo, bancou ao menos 11 shows de artistas sertanejos desde 2023. Questionados pelo Estadão, deputados e senadores do Maranhão e de Tocantins alegaram desconhecer o mau estado de conservação da ponte e culparam o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes por sua ignorância. Negaram, também, ter enviado verba para custear os eventos festivos. Em outras palavras, o dinheiro caiu do céu, o acidente foi uma fatalidade e a responsabilidade pela tragédia – já são 14 mortes e 3 pessoas seguem desaparecidas – não é de ninguém.
O caso apenas corrobora a decisão do ministro Flávio Dino de conferir caráter permanente à fiscalização da CGU sobre o uso de emendas parlamentares. A falta de transparência na aplicação dos recursos, por si só, é motivo mais que suficiente para suspender novos repasses e pode ao menos estancar uma farra que, dividida em milhares de ações em todo o País, chegou a R$ 49,2 bilhões no ano passado. Diante de tantos indícios de mau uso do dinheiro público, a dúvida é se a CGU terá capacidade e pessoal suficientes para dar conta da tarefa.