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Segundo Motta, “o que aconteceu não pode ser admitido novamente, foi uma agressão às instituições”, mas tentativa de golpe não teria sido porque, em sua visão, “golpe tem de ter um líder, uma pessoa estimulando, tem de ter o apoio de outras instituições interessadas”. “E não houve isso”, concluiu. O presidente da Câmara também avaliou que as penas impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos condenados pela participação no 8 de Janeiro são “muito severas”.
Independentemente do que pense sobre o 8 de Janeiro ou, principalmente, sobre o que vai fazer como presidente da Câmara, Motta tem seus motivos para ter dito o que disse. Decerto não foram poucos os compromissos que o deputado teve de assumir para viabilizar a aclamação de seu nome como o sucessor de Arthur Lira (PP-AL). Sejam quais forem, porém, nenhum é relevante o bastante, à luz do melhor interesse público, para que se admita qualquer tipo de transigência com o golpismo. Caso contrário, a jovem democracia brasileira, prestes a completar 40 anos, restará mais fraca, e não mais vigorosa, passado seu maior teste de estresse sob a égide da Constituição de 1988.
Em que pese sua importância, sendo ele quem é, a opinião do presidente da Câmara sobre o 8 de Janeiro não pode ser tomada de forma isolada. Ela compõe um mosaico de atitudes e palavras de parlamentares, governadores, prefeitos, setores da imprensa e formadores de opinião que, ao fim e ao cabo, se prestam à relativização da gravidade do que aconteceu em Brasília.
Há quem reduza a destruição do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF a mera “baderna”, sem que por trás da razia houvesse uma intenção de subverter a vontade popular consagrada nas urnas em 2022. Fala-se com tremenda naturalidade e desfaçatez em anistiar os insurgentes, como se todos lá reunidos fossem pacatos senhoras e senhores “patriotas” preocupados, ora vejam, com o bem do Brasil.
No Congresso, há quem queira reduzir o tempo de inelegibilidade de políticos condenados pela Justiça com o descarado propósito de reabilitar Jair Bolsonaro – sem o qual não teria havido o 8 de Janeiro, é bom enfatizar – com vistas à eleição presidencial do ano que vem. Como se sabe, Bolsonaro foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral à inelegibilidade até 2030 por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
A rigor, caberá exclusivamente ao Poder Judiciário dizer se a tomada violenta da capital federal pelos camisas pardas do bolsonarismo foi ou não uma tentativa de golpe de Estado, à luz da chamada Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. A Polícia Federal concluiu as investigações sobre o caso, indiciou dezenas de suspeitos de participação direta ou indireta na “agressão às instituições”, para usarmos a expressão empregada por Hugo Motta, e remeteu os autos do inquérito à Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem cabe oferecer ou não denúncia contra os suspeitos à Justiça.
A decisão sobre a tipificação do 8 de Janeiro, portanto, está nas mãos da PGR e da Justiça. Dito isso, seria ingenuidade desconhecer que os terríveis atos havidos em 8 de janeiro de 2023 não representaram, no mínimo, uma clara ameaça à estabilidade institucional do País, mal saído de uma eleição muitíssimo acirrada. Os danos causados à democracia não estão circunscritos à destruição material dos prédios públicos, mas se estendem ao ataque frontal ao processo eleitoral, algo que Bolsonaro estimulou desde o início de seu tenebroso mandato presidencial.
O País não pode, a quaisquer pretextos, relativizar o 8 de Janeiro. É de uma Justiça equilibrada, porém implacável, que advirá a garantia de que uma violência como aquela jamais se repetirá.