Em decisão contra pagamento retroativo de um auxílio, ministro Flávio Dino critica profusão de benefícios, lembra da importância de seguir as leis e manda duros recados ao Judiciário
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No caso concreto, o juiz pleiteava receber desde 2007 um auxílio-alimentação criado em 2011. O magistrado fora atendido em instâncias inferiores, mas, ao julgar um recurso da União, Dino disse que não cabe ao Judiciário conceder auxílios, além de emitir considerações que, a bem da moralidade pública, deveriam sensibilizar seus colegas de toga.
Esse penduricalho nasceu de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editada para espelhar auxílios do Ministério Público (MP) à magistratura. Justifica essa medida uma tal simetria entre as carreiras, segundo a qual juízes e membros do MP têm direito aos mesmos benefícios.
Ocorre que, com base nesse argumento, passou-se a irrigar os contracheques de juízes com os mais diversos tipos de pagamento. E, para Dino, não são razoáveis as “infinitas demandas por ‘isonomia’” entre as carreiras jurídicas que, na prática, impedem a “organização, congruência e previsibilidade no sistema de remuneração”.
Tantos são os penduricalhos criados, e não raro de forma opaca, que a sociedade é sempre surpreendida com essas benesses. Chamadas de indenizações, elas burlam o Imposto de Renda e o teto constitucional, hoje de R$ 46,4 mil, o salário de um ministro do STF. Essa falta de transparência não passou despercebida pelo ministro.
Segundo Dino, “hoje é rigorosamente impossível alguém identificar qual o teto efetivamente observado, quais parcelas são pagas e se realmente são indenizatórias, tal é a multiplicidade de pagamentos, com as mais variadas razões enunciadas (isonomia, ‘acervo’, compensações, ‘venda’ de benefícios etc)”. De uns tempos para cá, proliferaram, por exemplo, penduricalhos para compensar juízes por um alegado excesso de trabalho com a concessão de folgas que podem ser convertidas em dinheiro.
Como este jornal revelou, há ainda a “dezembrada”, quando, em fim de ano, os cofres do Judiciário são abertos para bancar toda sorte de privilégios incompatíveis com a própria ideia de República. Não à toa, Dino citou um “auxílio-alimentação natalino” como sinônimo do “vale-tudo”. Impossível não lembrar o “vale-peru” de até R$ 10 mil pago aos servidores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), a título da “cobertura das necessidades nutricionais diárias da pessoa humana, com dignidade”. Dino destacou ainda que o Judiciário não pode driblar o Legislativo no que concerne à autoconcessão de benefícios, pois seguir a Constituição e as leis é uma “orientação fundamental para evitar abusos, como rotineiramente tem sido noticiado acerca de pagamentos denominados de ‘supersalários’”.
Quando um ministro do STF chega à conclusão de que há tanta coisa fora do lugar, passou da hora de o País discutir seriamente o fim desses penduricalhos. Não se trata, como disse há poucos dias o ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, de críticas “injustas” ou “fruto da incompreensão do trabalho dos juízes”, até porque Dino conhece bem a magistratura. Antes de enveredar pela política e de chegar ao STF, Dino foi juiz federal e presidiu a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Ainda não é possível dizer se Dino é uma voz isolada no STF, se catalisou um movimento de indignação na Corte ou se está alinhado com o governo Lula da Silva, que chegou a propor limites aos supersalários, o que levou à reação imediata e refratária no Judiciário. O que se pode afirmar é que, num movimento raro, um integrante da mais alta Corte do País manifestou desconforto com o que grande parcela de seus colegas de toga parece não se incomodar há tempos. E só isso basta para que os recados dados por Dino nos autos recebam a atenção de seus pares.
Comentário nosso – Os senhores poderiam perguntar: “Por que o Congresso não aprova uma PEC ou uma lei proibindo estes penduricalhos?”. Simplesmente, por que os parlamentares também recebem lá os seus penduricalhos. E o Judiciário nnão tem nenhum interesse em tomar uma decisão contra os penduricalhos, pois vão mexer no seu próprio bolso. É justo que magistrados e parlamentares ganhem um vencimento bom, para evitar tanto que procurem receber propinas, como que vivam criando penduricalhos. Mas que haja um limite para estes vencimentos ou subsídios. (LGLM)