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O Estadão apurou que, no caso de Bolsonaro, Gonet concluiu que o ex-presidente não só tinha conhecimento da sedição, como tomou a frente das articulações para dar um golpe e, assim, permanecer no poder.
O oferecimento da denúncia já era esperado à luz do robusto conjunto de elementos de autoria e materialidade contra os acusados reunidos pela Polícia Federal (PF). O momento, no entanto, é de serenidade, a bem da própria Justiça, já que se trata de um processo que tende a sacudir o País. Em que pesem a gravidade da acusação e a substância desse arcabouço probatório – ao menos o conteúdo que veio a público até o momento –, é o caso de lembrar que nem Bolsonaro nem os demais denunciados ainda são réus, que dirá culpados de qualquer dos graves crimes que lhes foram imputados pela PGR.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) – composta pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino – ainda decidirá se aceita ou não a denúncia, o que determinará o início de uma eventual ação penal. Só então os denunciados deixam essa condição para se tornarem formalmente réus.
Embora não integre a Primeira Turma, o ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou em entrevista que a Corte selará o destino penal de Bolsonaro “com seriedade, examinando provas”. É o que este jornal espera, e não de agora, de qualquer juízo ou tribunal. Mas é forçoso dizer, evidentemente, que Barroso só disse o que disse para responder às justas críticas que têm sido feitas à notável politização do Supremo.
Obviamente, o mínimo que se pode esperar do julgamento de Bolsonaro e dos outros acusados é que ele seja mesmo despolitizado, vale dizer, que o processo seja conduzido com rigor técnico. Todavia, o simples fato de esse anseio elementar ter de ser externado diz muito sobre o contexto que envolve o caso mais importante sob a guarda do Supremo em 2025. Se para todo julgamento a aura de equidade e retidão dos julgadores não pode ser tisnada sem que todo o processo seja comprometido, essa verdade é particularmente relevante no julgamento de um ex-presidente acusado de tramar um golpe de Estado.
Foi o próprio sr. Barroso, convém lembrar, quem alimentou essa desconfiança ao se colocar pessoalmente como um dos responsáveis por “derrotar o bolsonarismo”. Quando admoestado no exterior – indevidamente – por um bolsonarista, Barroso repeliu a abordagem com o hoje famoso bordão “perdeu, mané”.
Essa atmosfera de desconfiança na atuação do STF no que concerne à denúncia contra Bolsonaro foi diligentemente cultivada pela Corte – e só por ela há de ser dissipada. Para isso, é fundamental que agora o Supremo se ocupe da denúncia com técnica e temperança, não se deixando arrastar por pressões políticas ou ideológicas externas e, sobretudo, internas. As desventuras da Operação Lava Jato, movida pela crença messiânica de que trabalhava pela regeneração nacional, devem servir de exemplo do que acontece quando a exceção se torna regra e, em nome da luta contra o mal – seja a corrupção, seja o golpismo –, o Judiciário se permite ignorar o devido processo legal.
O que está em jogo, ao fim e ao cabo, não é apenas o futuro de Bolsonaro, mas também a própria credibilidade do sistema de Justiça. Disso depende o vigor e a legitimidade da duríssima resposta que deve ser dada a todos os que tentaram solapar a democracia brasileira.