
Em todo o seu fulgor, ali se manifestava o espírito golpista que sempre orientou a trajetória do mau militar que, para infortúnio deste país, chegou à Presidência da República. Ao não admitir nem sequer como possibilidade uma derrota eleitoral, cenário legítimo e aceitável por qualquer político verdadeiramente democrata, Bolsonaro já prenunciava o iter criminis – o “caminho do crime” – que estava disposto a percorrer para se aferrar ao poder.
Pois o mesmo espírito golpista que animou Bolsonaro antes, durante e depois de seu mandato presidencial segue inspirando a sua defesa diante das gravíssimas acusações feitas contra ele pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, no dia 18 passado. Como se sabe, Bolsonaro foi denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por “liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado”, crimes cujas penas somam mais de 40 anos de prisão.
No dia seguinte ao oferecimento da denúncia formulada pela PGR contra ele e outros 33 acusados, Bolsonaro escreveu em sua conta no X que “o mundo está atento ao que se passa no Brasil”, o que, segundo o ex-presidente, não passaria de um ardil: o velho “truque de acusar líderes da oposição democrática de tramar golpes”. Noves fora essa risível associação de um fã de ditadores e torturadores com uma oposição “democrática” ao governo do presidente Lula da Silva, Bolsonaro insiste na deslegitimação das instituições republicanas, particularmente da PGR e do STF, para se apresentar ao Brasil e ao mundo como vítima, ora vejam, de uma suposta perseguição política.
Se o tal “truque” descrito por Bolsonaro “não é algo novo”, como ele escreveu, tampouco o é a manjada tese da “perseguição política”, enunciada por dez entre dez poderosos sempre que são apanhados em seus malfeitos. Essa balela, obviamente, não para de pé. Afinal, Bolsonaro nunca escondeu de ninguém seu desapreço pela democracia e seu profundo ressentimento pela promulgação da Constituição de 1988, o marco jurídico que restabeleceu o Estado Democrático de Direito no Brasil após a ditadura militar. Ademais, ao longo do mandato, o ex-presidente produziu provas contra si mesmo aos borbotões, não escondendo de ninguém que uma transição pacífica de poder, em caso de derrota eleitoral, nunca esteve em seu radar.
Ao comparar seus reveses jurídico-penais no Brasil à truculência de ditaduras como as da Venezuela, Cuba e Nicarágua, como fez em postagem no X, Bolsonaro exala desespero, pois não é crível que ele desconheça as evidentes diferenças entre o grau de liberdades democráticas que se tem aqui ante as que são negadas aos cidadãos daqueles países. Ademais, a robustez da peça acusatória assinada pelo procurador-geral, encadeando fatos e apresentando provas da volição delitiva de Bolsonaro e dos que a ele teriam se associado na trama golpista, deixa pouco espaço para o ex-presidente se defender além do recurso às teorias da conspiração, tão caras ao bolsonarismo.
É perfeitamente compreensível, portanto, o lançamento dessa campanha de desqualificação da instituição que acusa Bolsonaro e daquela que virá a julgá-lo. A rigor, é o mesmo modus operandi da disseminação das mentiras que Bolsonaro inventou desde o início de seu desditoso governo contra o sistema eleitoral brasileiro.
Felizmente, em que pese a necessidade de reexame de comportamentos ao qual alguns ministros do STF têm de se dedicar, o Brasil dispõe de instituições sólidas e de um sistema de Justiça que já demonstrou ter capacidade de resistir a mentiras e investidas autoritárias. Se Bolsonaro nada teme, que desça do palanque da desinformação e se defenda nos autos.