
A tese de repercussão geral foi fixada no julgamento de um recurso interposto pela Câmara Municipal de São Paulo contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que julgou inconstitucional uma lei aprovada em 2004 para ampliar as atribuições da Guarda Civil Metropolitana (GCM). À época, o TJ-SP considerou que o Poder Legislativo municipal invadiu a competência do Estado para legislar sobre segurança pública. Ato contínuo à decisão do Supremo, o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que a GCM passará a ser chamada de Polícia Metropolitana.
Em defesa do que chamou de “federalismo de cooperação”, o ministro relator do caso no STF, Luiz Fux, sustentou que o País “vive uma crise muito grande de segurança pública”, razão pela qual a Corte deve contribuir, e não “criar barreiras”, para a integração das forças de segurança das três esferas da administração. Relevando a platitude, se inexiste integração das forças de segurança, não é por falta de previsão legal nem muito menos por desamparo do texto constitucional. Somada à agenda corporativista que permeia a atuação estanque de policiais civis e militares, entre outras razões, a tibieza de governos estaduais não raro contribui para que essas corporações não conversem nem entre si, que dirá com guardas municipais. Ou seja, o STF nada mais fez do que adicionar uma terceira parte nesse concerto dissonante.
Não resta dúvida de que poucos são os brasileiros que saem às ruas hoje e não sentem medo de ser vítimas da violência urbana. É notório que o País carece de boas políticas de segurança pública, aptas a resguardar a integridade física e patrimonial dos cidadãos. Portanto, não se nega que é necessário mais patrulhamento, sobretudo nas grandes cidades, e não menos. Há poucos dias, este mesmo jornal pediu exatamente isso ao poder público paulista quando se posicionou sobre o terrível assassinato do ciclista Vitor Medrado, vítima de latrocínio no entorno do Parque do Povo, na zona oeste da capital paulista.
É preciso salientar, ainda, que a Polícia Militar (PM) tem sido empregada em operações de combate ao crime que muitas vezes disputam recursos humanos com o patrulhamento de rua. Todavia, como muito bem salientou o ministro Cristiano Zanin em seu voto contrário ao do relator, acompanhado pelo ministro Edson Fachin na divergência, não se pode “eximir a PM, que tem o papel de policiamento ostensivo, de fazer essa diligência”.
Com uma clareza constrangedora, tratando-se de um ministro novato, Zanin precisou relembrar a seus pares veteranos de STF que, “se há um problema de falta de efetivo (das PMs), temos de resolver dentro do que a Constituição prevê, e não dando aos guardas (municipais) uma atribuição que a Constituição não dá”. É tão simples quanto isso: conforme o artigo 144, parágrafo 5.º, “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”, enquanto o parágrafo 8.º estabelece que “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Portanto, não parece haver dúvida sobre as atribuições. Mas Zanin foi derrotado pela demagogia.
Decidida a questão pela mais alta instância do Poder Judiciário, agora só resta torcer para que os municípios que tenham guardas metropolitanas estejam preparados para capacitar bem seus agentes para o exercício do patrulhamento ostensivo. Como bem sabem os habitantes de muitas cidades brasileiras, esse serviço público elementar já é falho mesmo quando exercido por uma força policial concebida para esse fim no Estado Democrático de Direito, como é a Polícia Militar.