A política pública além do bolso

By | 07/03/2025 9:40 am
Imagem ex-librisReportagem recente deste jornal mostrou as lições deixadas por um programa do governo do Chile destinado a estimular a entrada de jovens talentos na carreira docente, com moldes similares ao Pé-de-Meia Licenciaturas – iniciativa lançada pelo Ministério da Educação (MEC), que pagará uma bolsa para os estudantes que escolherem cursos que formam professores.

A intenção do ministro Camilo Santana é louvável: integrar o incentivo a ações que possam tornar a profissão docente mais atrativa e, assim, melhorar a qualidade da aprendizagem. Mas a experiência chilena – a Beca Vocación de Profesor, que começou em 2011 como um benefício para financiar a graduação de estudantes em Pedagogia e a continuação dos estudos de alunos de licenciaturas – pode servir de alerta para a equipe do MEC escapar de uma tentação comum imposta pelos vícios do lulopetismo: resumir boas políticas públicas à mera concessão de bolsas de incentivo. Cuidado que não se resume, ou pelo menos não deveria se resumir, à educação.

O evangelho do presidente Lula da Silva sugere que, se a fé move montanhas, obras e dinheiro movem popularidade perdida. Ante um presidente hoje inquieto pela desaprovação da maioria do País, ansioso por resultados imediatos e pressionado pelo tempo que lhe resta de mandato, a cartilha de Lula se torna ainda mais perigosa. Converte-se em atalho fácil para simplificações e soluções marqueteiras, como se viu no recente pronunciamento em que, embora sem novidades, colocou o Pé-de-Meia como uma “ação extraordinária” que “está ajudando 4 milhões de jovens a permanecerem na escola” e, ora vejam, “melhorando a qualidade do ensino”.

De fato, o Pé-de-Meia é uma boa iniciativa para evitar a evasão de jovens, mas não se pode esperar do programa algo que não tem condições de cumprir. Apesar da fantasia difundida pelo presidente, contudo, incentivar com dinheiro a permanência de jovens na escola não garante, por si, um melhor ensino médio. Mesma regra elementar valerá para a variação do programa, o Pé-de-Meia Licenciaturas, como informa a experiência chilena. É necessário, por exemplo, preocupar-se com a formação inicial de professores, aperfeiçoar a qualidade de cursos e coordenar ações para o fortalecimento da docência.

Políticas públicas são eficazes quando não recorrem a balas de prata. É dessa forma que atrativos financeiros não prescindem, nesse caso, de outras iniciativas, como melhores condições de trabalho, infraestrutura das escolas, projetos pedagógicos aperfeiçoados, aceitação e prestígio social, preservação da integridade física em áreas vulneráveis e outros muitos fatores que demandam escala e tempo – o avesso do que o ansioso Lula da Silva costuma sugerir. Sem falar na capacidade de colocar em prática múltiplas ações, com metas, indicadores, cronogramas, orçamentos e responsabilidades, além da disposição para ajustá-las ou encerrá-las conforme o impacto das medidas implementadas.

Tudo isso, para Lula, costuma ser palavrão e sinônimo de demora – e ele invariavelmente recorre ao seu vasto arsenal de ilusões e anúncios eloquentes e populistas. Em dezembro, ele manifestou indignação ao descobrir que milhões de brasileiros não têm banheiros em suas casas e informou ter mandado construí-los. Ainda que seja uma boa medida humanitária, ela não resolve o problema: a crônica falta de saneamento básico, fruto de décadas de incompetência das estatais do setor. Se quase metade da população não tem saneamento, a construção de banheiros sem interligação com a rede de esgoto é inócua. Como será inócua a construção de centenas de unidades de institutos federais de educação, ciência e tecnologia, como Lula anunciou, difundindo cifras bilionárias do Programa de Aceleração do Crescimento sem o governo repensar o modelo do ensino técnico e profissionalizante de que o País dispõe. É como querer resolver o problema da alfabetização apenas instalando bibliotecas nas escolas públicas.

Governos gostam de conceber planos, mas governos realmente responsáveis têm como meta não só colocar planos em prática como desenhar e implementar políticas públicas bem-sucedidas, de longo prazo e independentes dos interesses eleitorais imediatos – uma empreitada difícil que costuma separar governantes e estadistas.

Comentário

Category: Blog Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *