
A intenção do ministro Camilo Santana é louvável: integrar o incentivo a ações que possam tornar a profissão docente mais atrativa e, assim, melhorar a qualidade da aprendizagem. Mas a experiência chilena – a Beca Vocación de Profesor, que começou em 2011 como um benefício para financiar a graduação de estudantes em Pedagogia e a continuação dos estudos de alunos de licenciaturas – pode servir de alerta para a equipe do MEC escapar de uma tentação comum imposta pelos vícios do lulopetismo: resumir boas políticas públicas à mera concessão de bolsas de incentivo. Cuidado que não se resume, ou pelo menos não deveria se resumir, à educação.
O evangelho do presidente Lula da Silva sugere que, se a fé move montanhas, obras e dinheiro movem popularidade perdida. Ante um presidente hoje inquieto pela desaprovação da maioria do País, ansioso por resultados imediatos e pressionado pelo tempo que lhe resta de mandato, a cartilha de Lula se torna ainda mais perigosa. Converte-se em atalho fácil para simplificações e soluções marqueteiras, como se viu no recente pronunciamento em que, embora sem novidades, colocou o Pé-de-Meia como uma “ação extraordinária” que “está ajudando 4 milhões de jovens a permanecerem na escola” e, ora vejam, “melhorando a qualidade do ensino”.
De fato, o Pé-de-Meia é uma boa iniciativa para evitar a evasão de jovens, mas não se pode esperar do programa algo que não tem condições de cumprir. Apesar da fantasia difundida pelo presidente, contudo, incentivar com dinheiro a permanência de jovens na escola não garante, por si, um melhor ensino médio. Mesma regra elementar valerá para a variação do programa, o Pé-de-Meia Licenciaturas, como informa a experiência chilena. É necessário, por exemplo, preocupar-se com a formação inicial de professores, aperfeiçoar a qualidade de cursos e coordenar ações para o fortalecimento da docência.
Políticas públicas são eficazes quando não recorrem a balas de prata. É dessa forma que atrativos financeiros não prescindem, nesse caso, de outras iniciativas, como melhores condições de trabalho, infraestrutura das escolas, projetos pedagógicos aperfeiçoados, aceitação e prestígio social, preservação da integridade física em áreas vulneráveis e outros muitos fatores que demandam escala e tempo – o avesso do que o ansioso Lula da Silva costuma sugerir. Sem falar na capacidade de colocar em prática múltiplas ações, com metas, indicadores, cronogramas, orçamentos e responsabilidades, além da disposição para ajustá-las ou encerrá-las conforme o impacto das medidas implementadas.
Tudo isso, para Lula, costuma ser palavrão e sinônimo de demora – e ele invariavelmente recorre ao seu vasto arsenal de ilusões e anúncios eloquentes e populistas. Em dezembro, ele manifestou indignação ao descobrir que milhões de brasileiros não têm banheiros em suas casas e informou ter mandado construí-los. Ainda que seja uma boa medida humanitária, ela não resolve o problema: a crônica falta de saneamento básico, fruto de décadas de incompetência das estatais do setor. Se quase metade da população não tem saneamento, a construção de banheiros sem interligação com a rede de esgoto é inócua. Como será inócua a construção de centenas de unidades de institutos federais de educação, ciência e tecnologia, como Lula anunciou, difundindo cifras bilionárias do Programa de Aceleração do Crescimento sem o governo repensar o modelo do ensino técnico e profissionalizante de que o País dispõe. É como querer resolver o problema da alfabetização apenas instalando bibliotecas nas escolas públicas.
Governos gostam de conceber planos, mas governos realmente responsáveis têm como meta não só colocar planos em prática como desenhar e implementar políticas públicas bem-sucedidas, de longo prazo e independentes dos interesses eleitorais imediatos – uma empreitada difícil que costuma separar governantes e estadistas.