
Contribuem para a calamidade falhas crônicas: o déficit de vagas e a consequente superlotação; a baixa oferta de trabalho ou educação e o consequente ócio destrutivo; a convivência de delinquentes contumazes de alta periculosidade com condenados por delitos de baixo potencial ofensivo ou presos provisórios e o consequente recrutamento para as “academias do crime”; enfim, as condições desumanas de detenção e a consequente bestialização dos detentos.
Mas um diagnóstico seletivo motivado por ideologias delirantes produz soluções contraproducentes. A obsessão progressista com “estruturas de poder” e “sistemas de opressão” esvazia as responsabilidades individuais e reduz a criminalidade a um problema de “justiça social” e o criminoso, a “vítima do sistema”. O sonho de uma esquerda hegemônica nos departamentos de humanidades produz monstros como o “abolicionismo penal”, segundo o qual as prisões e, no limite, todas as penas deveriam ser abolidas e substituídas por programas de reeducação e assistência social.
Dados são torturados para legitimar mitos como o “encarceramento em massa” e seu consequente remédio: o desencarceramento em massa. Ao mantra do “Brasil prende demais” aplica-se um verniz científico com estatísticas como “a terceira maior população carcerária do mundo”.
A falácia dos números absolutos é facilmente refutável: qual é o grande escândalo, se o Brasil tem a sétima maior população do mundo e o maior número de homicídios do mundo? Como dizer que o País prende “demais” quando, na melhor das hipóteses, apenas pouco mais de um terço desses homicídios é esclarecido, e, na pior, menos de um décimo?
Dos 849 mil apenados, segundo a Secretaria Nacional de Políticas Penais, 201 mil estão em liberdade, e metade não utiliza tornozeleira eletrônica. Os 663 mil presos de fato colocam o Brasil na 31.ª posição global em encarceramento per capita – não parece “demais” para um país que, em termos per capita, oscila entre os 20 países do mundo em que há mais homicídios. De resto, só 359 mil estão em regime fechado, os demais estão em regime semiaberto (112 mil), aberto (4 mil) ou são provisórios.
Ainda que os ideólogos mais extremistas estejam confinados às torres de marfim da academia, o proselitismo abolicionista insufla o ideário de boa parte das elites do sistema de Justiça. A Súmula Vinculante 56 da Suprema Corte, normatizada na reforma da Lei de Execução Penal, estabeleceu que os presos podem ser colocados em liberdade quando faltam vagas no sistema prisional. É como resolver a falta de leitos no Sistema Único de Saúde (SUS) enxotando doentes das enfermarias, ou extinguir os erros médicos e a violência policial extinguindo os hospitais e a polícia.
Em artigo no site jurídico Jota, o criminalista Fillipe Azevedo Rodrigues evidenciou como a mendacidade abolicionista alimenta um ecossistema de impunidades: o regime semiaberto, que deveria proporcionar uma transição segura e gradual, garantindo que os apenados trabalhem e contribuam para a sociedade, se transformou num instrumento de desencarceramento e negligência estatal à pena de prisão.
O problema não é o excesso de encarceramento, é a falta de cárceres. O País precisa construir mais e melhores presídios e colônias penais que garantam um regime de progressão de pena realmente justo e reabilitante, atendendo às finalidades retributivas, preventivas e educativas do Direito Penal. A mistura explosiva de violência, corrupção e impunidade alimenta a descrença da população no Estado de Direito e a revolta com suas autoridades. A cada delito de um criminoso que deveria estar detido, a chaga se aprofunda. A solução não é prender muito, como quer uma direita truculenta, nem prender pouco, como quer uma esquerda leviana. A solução é prender bem.