
A depender do atendimento a algumas das condições previstas no projeto, que podem reduzir o juro real do empréstimo a zero, a União renunciará a cerca de R$ 1,285 trilhão em receitas financeiras ao longo de mais de 20 anos; com juro real a 2% ao ano, a perda seria de R$ 793,65 bilhões até 2047. Os dois cenários consideram a adesão de todos os Estados ao Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados (Propag).
Esses cálculos, no entanto, ainda podem ser considerados otimistas, pois supõem que a União terá um ganho de R$ 162,5 bilhões em ativos cedidos pelos Estados para abater parte de suas dívidas, como ações de estatais estaduais. A história recente da federalização de empresas públicas de Estados prova o oposto. Na prática, elas costumam se converter em sumidouro de recursos e espaço para acomodar aliados políticos muito bem remunerados.
Diante de números assombrosos, agora se entende por que, durante a tramitação do projeto no Legislativo, o governo preferiu divulgar somente a renúncia com a qual teria de arcar ao longo dos primeiros cinco anos de vigência do programa. De posse de dados sobre o impacto integral da proposta, talvez os parlamentares tivessem se posicionado de maneira diferente, sobretudo os que representam Estados que estão com as contas em dia.
Afinal, 90% das dívidas estão concentradas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os Estados mais ricos do País. São eles, portanto, os grandes beneficiários do programa, e só mesmo o fato de serem atualmente administrados por partidos de oposição justifica as críticas de seus governadores.
Embora costume ser tratada como algo menor pelo mercado financeiro, a repactuação das dívidas estaduais é fonte de grande preocupação para especialistas em contas públicas. As recorrentes renegociações, ainda que não afetem o limite de despesas nem as metas fiscais da União, causam impactos relevantes na trajetória da dívida pública no médio e longo prazos.
Se o endividamento cresce, o custo de rolagem da dívida também tende a subir. Logo, um governo como o de Lula da Silva, obcecado com a redução da Selic, jamais poderia se dar ao luxo de menosprezar o assunto e ignorar a opinião dos técnicos.
Mesmo sem ter acesso aos números do Tesouro, o Ministério do Planejamento recomendou veto integral ao projeto, por ver no texto um reforço à “cultura de dependência dos Estados em relação à ajuda federal para equilibrar suas contas”.
“Esse tipo de renegociação das dívidas estaduais cria um viés de risco moral que se consolida no ciclo vicioso: os Estados continuam gastando irresponsavelmente; os Estados esperam novas negociações; a União acaba absorvendo os prejuízos, aumentando sua própria dívida pública”, disse o parecer do Planejamento.
E não se deve eximir o Ministério da Fazenda dessa irresponsabilidade. Embora a autoria do projeto aprovado seja do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi a própria pasta que abriu essa caixa de Pandora ao apresentar o controverso “Juros por Educação”, que propunha a redução do indexador das dívidas dos Estados que aceitassem investir no ensino técnico.
O projeto é um exemplo do que não se deve fazer na área de políticas públicas. Afinal, num momento em que os Estados nadavam em receitas e ampliavam despesas, o governo optou por incentivá-los a gastar ainda mais, premiar caloteiros contumazes e punir administradores que se preocupam com a saúde das contas públicas de seus Estados. Por tudo isso, uma coisa é certa: não será a última rodada de renegociação de dívidas estaduais.