A farsa do Orçamento ‘municipalista’ (confira comentário nosso)

By | 15/04/2025 7:57 am

Parlamentares destinaram meio bilhão de reais em emendas individuais para fora de suas bases, o que contraria a tese de que os políticos usam as emendas para atender quem os elegeu

 

Imagem ex-librisO Estadão mostrou recentemente que, nos últimos quatro anos, deputados e senadores destinaram mais de R$ 550 milhões em emendas individuais para Estados e municípios com os quais não tiveram qualquer vínculo eleitoral no período. A título de exemplo, é como se um deputado com base em Petrolina (PE) indicasse uma emenda individual para, supostamente, custear a construção de uma unidade básica de saúde em Diadema (SP).

Ilegal não é, mas obviamente isso contraria a tese, sustentada ardorosamente pelos parlamentares quando se trata de defender as emendas, de que só eles conhecem os problemas da região onde se elegeram e, por isso, são capazes de destinar os recursos necessários para resolvê-los. Esse deveria ser o espírito do “orçamento municipalista” de que falava o deputado Arthur Lira (PP-AL), nos tempos em que presidia a Câmara, sempre que era questionado sobre o orçamento secreto. Agora se vê que a generosidade “municipalista” dos nobres deputados não conhece fronteiras municipais ou estaduais, abrindo uma avenida para a malversação de recursos públicos, sobretudo no contexto do fortalecimento do Congresso em relação ao Poder Executivo na esteira do orçamento secreto.

Supondo que haja verdade onde só há cinismo, a “municipalização” do Orçamento em nada elimina, muito ao contrário, o imperioso respeito aos princípios constitucionais da eficiência e da transparência nos gastos públicos – totalmente ausente, por óbvio, na manipulação do orçamento secreto. Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal (STF) tenta há mais de dois anos pôr fim ao esquema, exigindo a fixação de critérios objetivos que garantam a rastreabilidade das emendas e a avaliação dos resultados das políticas públicas em tese promovidas com esses recursos.

Quando deputados e senadores contradizem com a maior caradura a mesma lógica territorial que juram defender, impõem camadas extras de desfaçatez, contradição e imoralidade ao processo aparentemente irrefreável de apropriação das verbas discricionárias pelo Congresso sem uma nesga de racionalidade e, o que é ainda pior, ao abrigo de quaisquer controles republicanos.

Alguém poderá argumentar que meio bilhão de reais é quase nada diante da magnitude do Orçamento da União – quase R$ 6 trilhões em 2025, dos quais R$ 50,4 bilhões são destinados às emendas parlamentares. Mas isso não tem a menor importância. Não se trata de números, mas do espírito republicano – ou melhor, da falta deste – no trato dos recursos dos contribuintes.

Independentemente do valor, é um desafio ao bom senso compreender por que um grupo de parlamentares do Tocantins, por exemplo, destinou R$ 18,2 milhões para São Paulo, Estado com o qual Tocantins nem faz fronteira. Tudo é ainda mais suspeito quando se considera que esses valores provieram exclusivamente de emendas individuais, rubrica orçamentária que, supostamente, presta-se ao atendimento de necessidades locais, identificáveis pela relação direta que os parlamentares têm com suas bases eleitorais.

Como se não bastasse a completa subversão não apenas do Orçamento da União como também do próprio regime presidencialista, o repasse interestadual das emendas individuais – proibido pelo STF na modalidade “emenda Pix” em agosto de 2024 – ainda produz o que o economista Marcos Mendes chamou de “desertos orçamentários”, municípios “esquecidos” pelos parlamentares por falta de interesse político em investir no bem-estar de suas populações.

O País todo perde com essa fragmentação orçamentária agravada pela falta de transparência no manejo dos recursos públicos. Até seria possível conceber a destinação interestadual de emendas individuais caso estivéssemos maduros o bastante para formular políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional de forma orgânica e estruturada. Mas o Brasil está longe desse ideal, o que permite que interesses políticos individuais, nem sempre republicanos, ditem a aplicação de verbas federais sem qualquer critério técnico ou escrutínio público.

Comentário nosso – Se alguém ainda duvidava dos desvios feitos com as verbas parlamentares, está aí mais uma prova. Que interesse tem um deputado em destinar verbas para para outros Estados que não sejam o de sua origem e de seu mandato? Só pode ser visando as propinas que vai receber! Há alguns anos uma empresa da região foi envolvida num processo em que ela era acusada de ter assumido obras financiadas com recursos federais, sem ter nenhum empregado, além da secretária que atendia na pretensa empresa. Pelas acusações a empresa só fornecia as notas fiscais e recebia uma valor que cobria os impostos que ia pagar e o seu lucro no negócio. Na época tomamos conhecimento de que esta empresa estava prestando serviços em outros Estados, sempre apenas fornecendo notas fiscais e recebendo o “seu”. E lá atendia a determinado deputado federal que era muito amigo do deputado aqui da região que destinava as verbas para as obras locais. Não sei qual o resultado do processo local, nem se houve alguma processo também no outro Estado. Mas as verbas parlamentares são sem sombra de dúvida a maior fonte de enriquecimento de políticos no país. E também das empresas que fingem realizar as obras. (LGLM)

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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