Souto Maior critica a posição do Supremo, que, segundo ele, tem se distanciado da Constituição e das normas internacionais de proteção ao trabalho
(Wanessa Meira, no Polêmica Patos, em 15/04/2025)

Para o jurista e professor de direito na Universidade de São Paulo (USP) Jorge Luiz Souto Maior, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de suspender os processos sobre “pejotização” no país é mais um passo no desmonte dos direitos trabalhistas promovido com maior ênfase desde a reforma trabalhista de 2017. “Estamos diante da realidade concreta do fim do direito do trabalho”, afirmou o especialista em entrevista ao Conexão BdF, programa do Brasil de Fato.
A decisão do Supremo paralisa ações na Justiça do Trabalho que analisam contratações via pessoa jurídica – prática que se tornou comum em setores como tecnologia, saúde, advocacia, entregas por aplicativo e cultura. O STF deve julgar o tema com repercussão geral, o que significa que sua decisão terá de ser seguida por todos os tribunais do país.
Souto Maior critica a posição do Supremo, que, segundo ele, tem se distanciado da Constituição e das normas internacionais de proteção ao trabalho. “A Constituição estabeleceu que os direitos trabalhistas são fundamentais e irrenunciáveis. Eles fazem parte de um pacto coletivo para garantir dignidade e seguridade social à classe trabalhadora”, indica.
Segundo o jurista, o STF tem tratado a “pejotização” como se fosse uma forma de terceirização, mas a prática é ainda mais grave: “É uma fraude. Se aceita que o simples ‘consentimento’ do trabalhador seja suficiente para firmar um contrato comercial, sem vínculo de emprego e sem qualquer proteção da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho], e nem mesmo o Judiciário poderá contestar isso. É um momento gravíssimo”.
Se a decisão do Supremo for no sentido de validar esse tipo de contrato com base apenas na vontade individual do trabalhador, afirma o especialista, o país poderá assistir à “extinção dos direitos trabalhistas para qualquer trabalhador e atividade e da própria Justiça do Trabalho”.
O professor lembra que a Corte já vem tomando decisões nesse sentido desde 2009, acelerando esse processo após a reforma trabalhista, uma das principais medidas tomadas durante o governo do ex-presidente Michel Temer. Para ele, o STF tem agido com motivações políticas e ideológicas, atendendo aos interesses do capital. “É uma corte política, não jurídica. Os ministros estão lá porque compartilham essa visão de mundo. Julgam a partir da ótica da classe dominante.”
O jurista apontou ainda a necessidade urgente da reação popular como única saída possível. “Essa não é só uma mudança no mundo do trabalho, mas no compromisso da sociedade com o pacto social e democrático. Precisamos reorganizar politicamente a classe trabalhadora para que ela se compreenda em si como classe e não como categoria de profissionais específicos. Se não houver retomada da consciência de classe, o capital vai continuar se valendo dessas estruturas de divisão, da necessidade das pessoas, da dificuldade de sobrevivência, do individualismo, se valendo dessas estratégias que servem ao interesses do capital e não à classe trabalhadora.”
Comentário nosso – O problema é sério e a nosso ver justifica uma intervenção do STF, no sentido de estabelecer regras claras para a utilização da pejotização que não signifiquem uma degradação das proteções oferecidas pela legislação trabalhista. Há casos que justificam a pejotização. Para profissionais liberais significa liberdade para estabelecerem as suas exigências e lhe permitirem vários contratos de trabalho simultâneos. O mesmo vale para atividades que exigem alta especialização como a área de TI e outras altamente valorizadas. Por outro lado, devem ser criadas regras que impeçam a fragilização do sistema previdenciário, obrigando os pejotizados a também recolherem para a Previdência Social. Ao mesmo tempo devem ser estabelecidos também determinados direitos que não deixem os pejotizados completamente reféns das exigências de seus contratantes, como jornadas exaustivas e condições insalubres de trabalho. A intervenção do STF, por outro lado, tem que ser rápida para não provocar uma paralização demorada na firmatura de novos contratos, por conta da indefinição das novas regras. (LGLM)