Tudo errado na discussão da anistia

By | 16/04/2025 6:28 am
Imagem ex-librisDe forma impressionante, mas não surpreendente para um país que se acostumou a ver transgressões morais e políticas em Brasília, há muita coisa fora do lugar nas tratativas envolvendo o projeto que anistia os condenados pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Como se viu esta semana, o PL protocolou o requerimento que pede urgência na tramitação e votação do projeto, com a subscrição de 262 parlamentares, cinco a mais do que o necessário para que o pedido se torne apto a ser votado. Ainda que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), não seja obrigado a pautá-lo, o número de assinaturas é uma forma de demonstração do apoio à matéria dentro da Casa legislativa. Um assombro que se avizinha conforme se aproxima o julgamento do maior beneficiário do projeto e maior golpista de todos – o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Foi com igual assombro que se constatou que mais da metade da lista de entusiastas com a celeridade do chamado PL da Anistia é composta por integrantes da base de apoio ao governo do presidente Lula da Silva: 55% são de partidos com ministérios e 61% são filiados a siglas da base governista, em geral contemplados com cargos de segundo escalão. Aparecem na lista deputados do União Brasil (40), Progressistas (35), Republicanos (28), PSD (23) e MDB (20). Em reação à adesão de “aliados” – vamos chamá-los assim por ora –, a caciquia do Palácio do Planalto já acenou com um trunfo a que governos fisiológicos costumam recorrer para atrair o voto de parlamentares ou inibir traições à vista: o mapa de cargos e indicações já feitas por deputados em órgãos federais nos Estados.

Com o tal mapa em mãos, o governo tentará demover governistas, desmobilizar a anistia e evitar que o avanço da matéria termine por beneficiar o maior adversário de Lula da Silva. Enquanto isso, há relatos de que até mesmo parlamentares que apoiam a urgência do projeto na Câmara não têm certeza ou consenso sobre o alcance efetivo do projeto em questão, isto é, de qual grau de abrangência da anistia se estará tratando caso o PL avance.

Eis Brasília em estado puro: uma Câmara dos Deputados às voltas com um projeto de lei que até aqui não mobilizou a sociedade em sua defesa, um ex-presidente que dá tratos à bola para driblar a lei e a Constituição e livrar da cadeia os que conspiraram para tentar destruir a democracia, uma base governista desalinhada ao governo e um presidente que, incapaz de manejar bem sua coalizão multipartidária, finge que divide a gestão com aliados – e estes, em troca, deixam de seguir a orientação de Lula da Silva em diversas votações e diretrizes.

Não é novidade que a base do atual mandato é heterogênea, frágil e hostil. Igualmente conhecido é o fato de que, estimuladas pelos amplos poderes adquiridos nos últimos anos pelas emendas parlamentares – que lhes deram força inédita sobre o Orçamento da União –, as bancadas passaram a se mobilizar menos por cargos e verbas oferecidos pelo governo de ocasião. Mas falta ao governo reconhecer o óbvio: as dificuldades que enfrenta, no tema da anistia e em muitos outros, decorrem também de um problema crônico desde o primeiro mandato lulopetista, isto é, a incapacidade de Lula da Silva e do PT de dividir o poder. Todos os partidos que têm parlamentares subscrevendo a urgência do PL da Anistia, contra a vontade do governo, são mais do que meramente “governistas”: têm quadros chefiando ministérios. Para quem se sente desprestigiado pelo demiurgo petista e seu partido, isso pouco importa.

O que se assiste é consequência inevitável, ainda que odiosa, desta soma de disfuncionalidades e equívocos. No passado havia uma máxima vigente nos corredores do Congresso: “Aqui tem de tudo. Tem ladrão, honesto, canalha, gente séria. Só não tem bobo”. Enquanto o governo patina no mau manejo com o Congresso, felizmente, até aqui, o presidente da Câmara, Hugo Motta, tem resistido bravamente a colocar o PL da Anistia em pauta, mas, sob pressão e evitando decidir sozinho, já teria aberto a possibilidade de levar o projeto à discussão no Colégio de Líderes. Maus presságios para uma Casa que tem de tudo, só não tem bobo.

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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