O busílis da ‘pejotização’

By | 19/04/2025 5:18 am
Imagem ex-librisO ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a tramitação de todos os processos sobre a chamada “pejotização”. Trata-se de uma modalidade de contratação de autônomos ou prestadores de serviços na condição de pessoas jurídicas, como médicos, advogados, corretores, profissionais de tecnologia da informação, entre outros, que tem causado conflito entre o Supremo e a Justiça do Trabalho.

Não raro, magistrados trabalhistas afirmam que atrás de um contrato civil ou comercial de prestação de serviço há uma fraude contratual trabalhista. Reconhecem, então, o vínculo de emprego, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em razão da subordinação, quando identificam, por exemplo, a exigência de cumprimento de jornada.

A controvérsia sempre existiu, mas ganhou contornos superlativos após o STF declarar, acertadamente, a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, válida desde a reforma trabalhista. O Supremo editou duas teses, de modo a enquadrar a Justiça do Trabalho, que, como se sabe, tende a afrontar as regras trabalhistas aprovadas durante o governo de Michel Temer.

Numa das teses, ficou estabelecido que “é lícita a terceirização de toda e qualquer atividade” e que a contratante se responsabiliza subsidiariamente por violações de normas trabalhistas e previdenciárias. Na outra, o STF afirmou que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”. Com esses dois precedentes, esperava-se que as divergências fossem superadas. Foi quando surgiu a confusão em torno da “pejotização”.

Advogados de empresas condenadas por fraude contratual trabalhista passaram a alegar que a “pejotização” é lícita por causa da terceirização irrestrita. Em reclamações, instrumentos pelos quais se queixa de descumprimento de precedentes, alguns ministros do Supremo aderiram a esse argumento. O STF parece confundir os conceitos. A terceirização exige três requisitos: a empresa contratante, a empresa terceirizada e o empregado dessa empresa, que geralmente tem carteira assinada. Já na “pejotização”, o contrato é entre duas partes: o “pejotizado”, sem qualquer direito assegurado, e a empresa.

Como nunca discutiu a “pejotização” em plenário, o STF decidiu julgar um recurso extraordinário com repercussão geral sobre o tema. No caso concreto, um corretor de seguros contestou uma decisão da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que negou, com base nos precedentes sobre a terceirização, o seu vínculo de emprego. Relator do caso, Gilmar fez bem ao impedir “a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria” e privilegiar “o princípio da segurança jurídica”.

O STF terá de decidir sobre “a competência e o ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços” e “a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”. Eis o perigo.

O STF poderá declarar a Justiça do Trabalho incompetente para tratar desse tema, transferindo-o à Justiça Comum – menos acessível aos trabalhadores comuns. Em que pese o fato de que a Justiça do Trabalho frequentemente extrapole em suas decisões e abuse do ativismo, não foram revogados os artigos 9.º da CLT, que declara nulo o contrato que frauda a lei trabalhista, nem o 114 da Constituição, que dá a esse ramo especializado do Judiciário a competência para julgar “as ações oriundas da relação do trabalho”.

Se o STF liberar uma “pejotização” irrestrita, ignorando vínculos de trabalho, é possível que muitos celetistas se vejam pressionados a aderir a esse tipo de contrato. O Supremo poderá dessa forma, de maneira generalizada, prejudicar direitos trabalhistas, como férias e décimo terceiro salário, previstos no artigo 7.º da Constituição, e também direitos previdenciários. Sem contar o risco à Previdência Social, já imensamente deficitária, pois haveria diminuição drástica de contribuintes.

A redução dos encargos trabalhistas é uma necessidade para o País, mas isso não pode ser feito à custa da precarização total das relações de trabalho, ao arrepio da Constituição. Diante disso, espera-se que o Supremo tenha juízo com a decisão que venha a tomar.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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