
Trata-se de uma mudança acertada, com possibilidade de redirecionar o debate público sobre o Bolsa Família em duas frentes: primeiro, atender a uma necessidade de desenhar regras de transição mais suaves para o programa, evitando saídas abruptas que prejudicam os mais vulneráveis; segundo, oferecer incentivos para os beneficiários caminharem em direção à autonomia desejada, desvencilhando-se das amarras que os ligam por tempo demais ao programa. Com transição adequada, pode-se, por exemplo, aplacar as queixas segundo as quais o beneficiário do Bolsa Família prefere a informalidade para não perder o benefício.
As mudanças em estudo pelo governo deveriam servir, porém, como uma oportunidade maior: é hora de o País voltar a debater mais seriamente, de forma desapaixonada e não dogmática, os mecanismos de aperfeiçoamento do programa e, em especial, como instituir meios mais efetivos para a chamada porta de saída. Com mais de 20 anos de existência, o Bolsa Família é um robusto programa de transferência de renda, uma marca já enraizada no imaginário brasileiro e um caso raro de política pública perene. Mas são justamente essas condições – incluindo um irresistível apelo eleitoral – que acabam por gerar uma espécie de aprisionamento nacional, como se criticá-lo fosse crime de lesa-pátria. Não é.
Um dos pontos criticáveis é a ausência de balizas firmes para a porta de saída, o fortalecimento da inclusão ao trabalho e a busca de cidadãos autônomos. Segundo dados revelados pelo site Poder360, 7 milhões de famílias, de um total de 20,6 milhões inscritas, estão no programa há pelo menos 10 anos. O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, lembra que o caminho para reduzir essa longa dependência é o fomento do emprego e a criação de regras que permitam a essas pessoas se arriscar no mercado de trabalho sem perder o benefício instantaneamente. Em outras palavras, é preciso garantir que o caminho para a inclusão produtiva se dê de forma segura e gradual. Uma regra que reduz o benefício imediatamente a zero ou a 50% é não só abrupta como gera uma penalização imediata aos mais vulneráveis. Essa é uma visão compartilhada por bons especialistas no assunto.
Resta desejar que o ministro convença o seu chefe. Como líder populista que é, o presidente Lula da Silva costuma se apegar aos ganhos políticos supostamente fáceis trazidos pela transferência de renda. Em 2019, o governo federal gastava R$ 30 bilhões com o programa, marca que hoje ultrapassa R$ 170 bilhões. O número de famílias subiu de 14 milhões para quase 21 milhões. O valor médio subiu de cerca de R$ 190 para quase R$ 700. Essa musculatura toda, sem redução significativa da pobreza, foi adquirida pela atabalhoada e eleitoreira criação do Auxílio Emergencial pelo governo Bolsonaro. Ao assumir o mandato, Lula lançou o Novo Bolsa Família, estabelecendo o valor mínimo de R$ 600 por família – na prática, mantendo o valor do auxílio instituído por Jair Bolsonaro. É uma distorção a ser corrigida. O Banco Mundial, por exemplo, sugere não um piso comum a todas as famílias, mas um benefício calculado com base na quantidade de membros da família e um valor adicional por criança.
O Brasil parou de discutir as chamadas condicionalidades – exigências impostas às famílias, como a frequência escolar – e ainda patina na consolidação de incentivos para a inclusão produtiva, de modo a fazer com que o Bolsa Família deixe de ser um recurso eleitoreiro para, de fato, oferecer condições para que seus beneficiários do presente tenham uma vida independente no futuro. É uma necessidade antiga, um debate do qual os governos lulopetistas sempre tentaram escapar. Agora há uma notável chance em formação no horizonte para voltar a encará-lo.
Comentário nosso – É urgente uma mudança no Bolsa Família. Ele tem que deixar de ser um substituto permanente do emprego, para voltar a sua ideia natural ser um substituto eventual do desemprego, um pouco maior do que o seguro pago para o trabalhador que ficou desempregado. Do jeito que está, o bolsa família está servindo para desestimular o emprego. Hoje é raro se conseguir, por exemplo, um trabalhador na zona rural e, em algumas profissões, na zona urbana, como, por exemplo, um empregada doméstica. (LGLM)