O Paraiso lucrativo da família que fundou a Syngenta no sertão da Paraíba

No sertão da Paraíba, mais especificamente no município de Patos, um senhor simpático e sorridente toca diariamente as atividades da Fazenda Tamanduá. Não fosse pelo sotaque de quem deixou a França há quase 50 anos, Pierre Landolt seria facilmente confundido com um brasileiro: afeito a boas conversas, com bom humor e apreciador de café.oj
Em quase duas horas de prosa, o franco-suíço Landolt relembrou ao Ag Freed sua história. Ele é integrante da família Sandoz, uma das mais tradicionais e ricas da Europa. Seu bisavô foi o fundador do grupo que, mais tarde, daria origem a duas gigantes do setor agrícola e farmacêutico, respectivamente: a SYNGENTA e a NOVARTIS.
Landolt foi membro do conselho da Sandoz e da Novartis, cargo que ocupou até seus 70 anos (ele tem 77), tendo participado inclusive da fusão entre Novartis Agribusiness e Zêneca Agrícola, que deu início à Syngenta, no ano 2000.
“Uma das aventuras mais incríveis que vivi foi esse spin-off. Juntar duas companhias suíças, suas culturas e negócios, foi um grande aprendizado”, ele conta hoje, um quarto de século depois.
O empresário relembra que o processo foi bastante trabalhoso e delicado, mas que o resultado foi um grande sucesso. “Foi um trabalho espetacular, a tal ponto que, infelizmente, perdemos o controle do negócio, já que os chineses bateram na nossa porta duas vezes e acabaram levando. Mas eles têm feito um ótimo trabalho”, relembra, sobre a compra da Syngenta pela China National Chemical Corp (ChemChina), em 2017, por US$ 43 bilhões.
Em fevereiro deste ano, a família Sandoz se desfez de parte considerável de sua participação na Novartis por US$ 2,90 bilhões, ao comercializar 26,5 milhões de ações.
Hoje, o mundo das grandes corporações parecem distantes de seu cotidiano no coração da Paraíba. Entre um gole e outro de café, Landolt contou à reportagem do AgFeed o que o fez se apaixonar pelo Brasil e, principalmente, pelo sertão paraibano, onde desde 1977 ele mantém a fazenda de 3 mil hectares onde pratica a agricultura biodinâmica.
O sistema de cultivo foi criado pelo filósofo Rudolf Steiner e considera a propriedade rural um organismo vivo, que se desenvolve em harmonia com a natureza. Por isso, a agricultura biodinâmica não utiliza produtos químicos – como os produzidos pela Syngenta – no cultivo.
Mais da metade da área da fazenda Tamanduá é destinada a reservas, corredores ecológicos para o trânsito de animais e cerca de 350 hectares de Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN).
Nas outras áreas, Landolt cultiva mangas, além de produzir mel, própolis, leite e queijo. Em outras duas propriedades ele produz mangas, arroz especial e melões, tudo com certificação orgânica e biodinâmica.
Viagem ao desconhecido
Landolt chegou ao País aos 29 anos, depois de se formar em direito e de servir ao exército francês por um ano, como paraquedista. “Eu entrei no exército um pouco mais velho, depois da universidade; Foi uma boa experiência, mas os meninos mais jovens só queriam saber de atirar e usar armas, não era para mim”.
Logo que deixou o serviço militar, ele lembra que decidiu bater à porta de uma das empresas da família, a farmacêutica Sandoz – que em 1996 fundiu-se à Ciba-Geigy, dando origem à Novartis. Na época, o jovem Landolt pretendia ser transferido para alguma atividade dentro da companhia no sudeste asiático, na China, Japão ou talvez Índia.
No entanto, teve o pedido negado por conta das dificuldades para enviar profissionais para a região. A alternativa apresentada foi uma temporada no Brasil.
“Lembro que eu pensei, o que eu vou fazer no Brasil? Eu nem falo português?” Além disso, ele conta que, por ser o período da ditadura militar, seu interesse era menor ainda. “Era um período terrível”.
De acordo com Landolt, a proposta da família era de que ele ficasse no País por cerca de três meses, antes de decidir se continuaria residindo e trabalhando por aqui. “Consegui uma passagem só de ida, por meio de um programa de imigração europeia e nunca mais voltei”, brinca ele. Era 1975.
Chegando a São Paulo, ele atuou em várias frentes, passou pela área de desenvolvimento de produtos, pela indústria farmacêutica e pelo braço agrícola da companhia da família. Durante esses anos de trabalho, conheceu de perto todas as regiões brasileiras e aprendeu português.
“Nessas viagens fui aprendendo e vendo o que era o Brasil de verdade, estruturado e bem organizado, que exportava muito”.
E foi no sertão paraibano que o coração de Landolt bateu mais forte. Ele conta que chegou à região junto com um agrônomo holandês, em busca de uma área para plantar sementes de sene.
Nessa época, o Paquistão, um dos maiores produtores de sene, estava em guerra com a Índia, o que afetava o fornecimento mundial da planta. Pierre, por sua vez, já buscava alternativas ao plantio convencional.
“Me apaixonei pelo sertão, por sua cultura, sua gente, a complexidade do local e dos seus problemas. Tendo acesso a recursos e à tecnologia, eu achei que poderia contribuir de alguma forma para o desenvolvimento da região”, conta.
Nessa incursão pelo sertão, ele teve seu primeiro contato com o algodão mocó, a variedade C71, e se interessou pela cultura. Depois de muitas pesquisas, conversas com cientistas e especialistas, Pierre decidiu sair de São Paulo em 1976 e encontrar uma área para investir no cultivo da fibra. Atravessou o País a bordo de seu jipe amarelo – veículo que possui até hoje – e chegou à região de Patos.
Mas foi só em 1977 que ele adquiriu a área onde hoje está a fazenda Tamanduá, no município de Santa Terezinha. No ano seguinte, casou-se – a esposa de origem francesa também se apaixonou pelo sertão – e o casal passou a vida na propriedade, onde criaram os filhos. “No início nossa comunicação com o mundo era um telex, foi um evento quando chegou o primeiro fax”, relembra.
Do gado à manga
Os primeiros investimentos na propriedade foram na criação de gado da raça Pardo-Suíço e no cultivo de algodão, que chegou a ocupar 700 hectares na fazenda.
“Esse binômio é o que o Rudolf Steiner defendia, que o animal seja inserido no vegetal, porque ele entra no campo depois da colheita e se alimenta das folhas e contribui para a melhora do solo. Os nordestinos, sem conhecer a biodinâmica, já faziam isso há tempos”.
Os investimentos em testes de gramíneas para identificar as melhores variedades para a região, em parceria com a Embrapa e outros institutos de pesquisa, ajudaram Landolt a controlar a erosão do solo na propriedade.
O cultivo de algodão, entretanto, durou pouco tempo, até 1984. A chegada do bicudo, praga que apareceu no Brasil no início dos anos 80, devastou as plantações no semiárido nordestino. “Por mais que fizéssemos o manejo, a cultura já não era economicamente viável, colhíamos 900 quilos por hectare, o que é um volume ridículo”, relembra.
Antes de chegar ao modelo atual de negócios, ele testou outros produtos e chegou a cultivar aspargos brancos. “Mas ele crescia em ritmo tão acelerado, que a colheita tinha que ser feita duas vezes ao dia”.
“Meus filhos não podem nem ouvir falar de aspargos. Comíamos ele no café da manhã com ovos, no almoço, na sopa do jantar, moído, de todos os jeitos”, brinca.
Depois do algodão, Landolt foi visitar as regiões produtoras de frutas no Rio Grande do Norte, até decidir investir no seu cultivo. Atualmente são 35 hectares de mangueiras permanentes, todas irrigadas. As variedades produzidas são da manga Tommy e Keith, bastante apreciadas na Europa, para onde vai a maior parte da produção.Seleção de mangas na packing house da Fazenda Tamanduá.
Nas áreas mais antigas, o espaçamento de 10 metros x 10 metros garante uma produção média de 15 toneladas por hectare anualmente, mas Landolt conta que está investindo no adensamento, para melhorar o manejo e a produtividade. As novas árvores são cultivadas com espaçamento de 6 metros x 4 metros e a produtividade dessas áreas chegou a 30 toneladas por hectare.
Ele conta que anualmente são embarcados cerca de mil contêineres de mangas para o continente, cada um com 4,8 mil caixas da fruta, o que dá em torno de 19,2 toneladas de mangas exportadas.
Para 2025, ele conta que o plano é iniciar os embarques via TopLink, a empresa de breakbulk fundada por Carlo Porro e Luiz Roberto Barcelos, sócios da Agrícola Famosa, maior exportadora de melão do mundo. “Estamos trabalhando os detalhes para entender como podemos fazer esses embarques dentro das exigências da certificação orgânica, mas a ideia é embarcar 100% da nossa produção com eles”.
Segundo o produtor, o cuidado do cultivo orgânico, aliado a certificação faz toda a diferença também na remuneração. Como exemplo, ele explica que em determinados períodos a caixa de manga com quatro quilos é comercializada a 6 euros para os importadores da Europa, enquanto no Brasil, o valor pago pelos clientes na fruta convencional é de cerca de 50 centavos por quilo. “Todo nosso investimento acaba tendo um retorno financeiro evidente”, avalia.
Além da manga, ele produz melões em uma outra propriedade com 100 hectares e outra área pequena na Tamanduá, mas a área depende do regime de chuvas. “Tem anos que cultivamos 35 hectares, em alguns apenas 4, como é o caso desse ano. A nossa vantagem é que temos uma produtividade boa por hectare, em torno de 25 toneladas”, pondera. A produção é comercializada para clientes de São Paulo.
Na fazenda há também o packing house onde as mangas são preparadas para a exportação. No caso das frutas que não atendem aos padrões europeus, uma pequena parte vai para o varejo em São Paulo e o restante é processado na pequena fábrica que Landolt mantém na propriedade, para a produção de polpas de fruta congeladas que abastecem o mercado brasileiro e dos Estados Unidos.
Quanto ao volume produzido, ele explica que depende do volume de chuvas e do acesso à água. “Já faz tempo que muitos dos açudes da região não estão cheios por completo, lamenta”.
A certificação de agricultura biodinâmica veio em 1999. E além das frutas, a Fazenda Tamanduá também produz mel, própolis, leite, melancias além do cultivo de arroz especial, das variedades negro, vermelho, cada variedade com dois hectares, em parceria com a Embrapa. “Mas a oferta de produtos depende do regime de chuvas. Já perdi muita produção por conta da seca, agora estamos fazendo áreas menores para testar o que funciona”, pondera Landolt.
Para tentar driblar a seca na região, Landolt adquiriu recentemente uma área de 10 hectares na região de Catingueira, às margens de um açude. Lá, ele já iniciou o plantio de arroz e mangueiras. “Queremos ampliar a produção de mangas, já que a oferta de água é um pouco mais perene”.
Na produção leiteira, são cerca de 400 animais que produzem mil litros diários, mas a meta é chegar a 1,5 mil litros diários ainda esse ano e voltar a produzir queijos certificados. “Temos condições de produzir queijos finos de todos os tipos. O desafio é abrir mercado, ir a São Paulo bater à porta das “lojas chiques”, brinca.
A experiência da alga azul
Para fechar o ciclo produtivo, a polinização é feita pelas abelhas criadas na propriedade, que produzem cerca de 5 toneladas de mel por ano. Desde 2015, Landolt também investe na spirulina, uma cianobactéria conhecida como “alga azul” e largamente usada na indústria de suplementos naturais.
Landolt explica que o cultivo da alga tem dado ótimos resultados, já que ela precisa de muito sol e altas temperaturas para se desenvolver. “Ela é bastante rústica e vem se desenvolvendo muito bem aqui no sertão, ao contrário da França, onde também fazem essa produção com luz artificial”.
Atualmente ele produz cerca de 500 quilos da alga em sua forma seca por mês. Elas são “cultivadas” em 22 tanques com cerca de 22 mil litros cada. Na fazenda, Landolt tem uma fábrica que transforma a spirulina em pó e produz comprimidos e cápsulas, comercializadas para a suplementação humana. A água utilizada nesse processo é filtrada para a separação das algas e retorna aos tanques para novos cultivos.
Ele revela que vê um futuro promissor para a spirulina não só na alimentação humana, onde já é bastante difundida, mas principalmente na alimentação animal, já que o produto além de rico em nutrientes, tem função importante de proteção do sistema imunológico dos animais.
Para isso, ele conta que pesquisadores de universidades da região estão fazendo testes e pesquisas sobre a viabilidade da utilização do produto para a suplementação do gado. “Em breve teremos os primeiros resultados do estudo publicados”, revela.
A paixão de Landolt pela natureza e pela agricultura começou ainda na infância, reflexo da relação próxima com o avô materno – o sobrenome Sandoz é por parte de mãe. “Ele era um artista, escultor, amante da natureza e nós íamos com ele pelas montanhas, ter esse contato próximo com as plantas e os animais”. A família por parte de pai era de médicos oftalmologistas “os pioneiros na cirurgia de catarata no mundo”, orgulha-se.
Além do cultivo biodinâmico no sertão, ele revela ao final da conversa que possui uma outra fazenda, na região de Lucas do Rio Verde, com 3 mil hectares, onde produz soja e milho. Descontadas as áreas de reserva legal e de proteção ambiental, ele cultiva 1,7 mil hectares de grãos, voltados para a exportação.
“Um dos aspectos mais incríveis do cultivo convencional e que não se pode utilizar no biodinâmico é o plantio direto, esse sistema de proteção de solos que é das coisas mais incríveis da agricultura”, completa.
Comentário nosso – Em agosto de 2016, entrevistamos Pierre Landolt, durante o programa SALA DE CONVERSA que apresentávamos na época na TV Sol. Na reuniu da equipe que discutia a realização da entrevista, alguém levantou a questão de que Pierre dificilmente aceitava conceder entrevistas, mas resolvi tentar. Fiz uma viagem de moto até a Fazenda e me identifiqui na guarita da entrada da propriedade. O vigilante consultou o escritório da Fazenda que depois de consultar o Dr. Pierre, autorizou a minha entrada. Quando lhe fiz o convite ele aceitou na hora e se justificou. “Logo quando começamos aqui, você e Damião Lucena, fizeram um vídeo sobre a fazenda, por encomenda do Banco do Brasil, que queria divulgar os maiores empreendimentos agrícolas da região financiados por eles. Estarei lá sem falta.” E não falhou. Chegou lá na TV Sol, de moto e concedeu uma excelente entrevista, que ainda hoje pode ser vista no You Tube, contando a história de sua vinda para a região. Trata-se de um dos maiores empreendimentos agrícolas, se não for o maior, da região. Inclusive manteve lá dentro da Fazenda uma fábrica de tubos de irrigação que mudaram os sistemas de irrigação da região. (LGLM)