PL quer aprovar suspensão do processo do golpe mesmo sabendo que STF não aceitaria, só para dizer que eventual prisão seria ilegal; Centrão apoia pois vê porta aberta para outros beneficiados no futuro
É exatamente o caso do debate sobre a sustação do processo contra Alexandre Ramagem por golpe de Estado. No parecer do relator, integrante do Centrão, e que parece ter o apoio da maioria dos membros da CCJ, a decisão serviria não apenas ao deputado, o detentor do privilégio concedido pela Constituição, mas a qualquer um acusado na mesma ação. O raciocínio construído meticulosamente define que, como Ramagem está no mesmo processo que Bolsonaro, o ex-presidente, mesmo sem ter mandato algum, veria seu processo suspenso até que um dia Ramagem perca uma reeleição.
A ação prospera apoiada por parcelas do Centrão, que não estão nem aí para Bolsonaro, mas que vislumbram uma porta aberta para livrar quem, um pouco mais adiante, estiver encalacrado com o orçamento secreto ou qualquer outra apuração de irregularidades no exercício do mandato e que precise responder perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
O movimento é novidade. Desde que, em 2001, a Constituição passou a prever a possibilidade de a Câmara sustar ações no STF contra parlamentares – a regra anterior é que para abrir a ação precisava haver autorização do Legislativo, o que era sinônimo de impunidade – nunca nenhum partido ousou fazer o pedido. O PL pediu agora, para salvar Bolsonaro. Mas pode abrir uma porta para beneficiar muito mais gente. Se a moda pega, e sabemos que na política brasileira as piores modas pegam, bastaria incluir um deputado federal em qualquer esquema criminoso para garantir a impunidade total e eterna, desde que o escolhido nunca perdesse uma eleição. O espírito de corpo faria a mágica a cada deputado enrolado, como antigamente.
Com o apoio dessa parcela do Centrão que quer deixar a porta aberta, o texto tem grandes chances de passar na CCJ. E aí haverá pressão para que Hugo Motta o coloque rapidamente em plenário. A Constituição prevê um prazo de 45 dias para uma decisão da Casa. Se o plenário também referendar, teríamos o ápice de uma crise institucional, já que o STF certamente decretará que a manobra é inconstitucional.
A Corte já avisou que a Câmara pode até sustar a ação contra Ramagem, mas só sobre fatos ocorridos após o início de seu mandato (parte das condutas do golpe começaram antes), os crimes de menor potencial ofensivo (como as depredações do 8 de janeiro, essas ocorridas já no período do mandato) e sem que a suspensão sirva, evidentemente, para os outros réus do caso – Jair Bolsonaro, generais e ex-ministros – que não possuem o mesmo benefício.
O cenário dado seria, então, o seguinte: a Câmara diz que o STF não pode continuar processando Bolsonaro e o resto da turma do golpe. A Corte declararia a decisão inconstitucional e continuaria o processo, podendo processá-los, julgá-los e prendê-los. E Bolsonaro e seus apoiadores o que fariam? Muito provavelmente, tentariam se esquivar do cumprimento da pena, fugindo ou armando tumulto sob a justificativa de que a prisão seria ilegal.
A forçada de barra sobre a suspensão do processo é um segundo movimento para tentar salvar a pele de Bolsonaro. O primeiro, como todos sabem, é o PL da Anistia. E é exatamente por isso que a oposição bolsonarista não aceita a proposta que vem sendo costurada por Davi Alcolumbre, presidente do Congresso, com o próprio STF, para aliviar as penas dos executores do golpe sem beneficiar os mentores dos ataques. Neste caso, a oposição não tem o apoio do Centrão, pois não há qualquer benefício futuro para o grupo.
Na prática, a proposta costurada por Alcolumbre soltaria os acusados do ataque do dia 8. A redução de penas, somada ao fato de que só uma parcela do período da sentença precisa ser cumprida no regime fechado (um sexto da pena para réus primários com bom comportamento), acabaria com as prisões da maioria absoluta dos condenados que ainda estão atrás das grades. As exceções seriam, claro, os mentores, que ainda estão sendo julgados e que não estão incluídos na proposta.
A oposição, então, grita que não aceita, tentando travar o acordo. O recado é: só aceitamos a anistia que valha para o Bolsonaro. E aí, se não for essa, não é nenhuma. E que fiquem condenados e presos todos os demais, da Débora do Batom a qualquer outro que tenha sido peças de propaganda nos atos e vídeos sobre a anistia. Sempre foi sobre Bolsonaro, e os detidos do dia 8 só estavam sendo usados, mais uma vez.
Comentário nosso – O PL vinha defendendo a anistia alegando que estava preocupado com “os pobrezinhos que não haviam feito nada, só haviam feito nada de mais no oito de janeiro, só haviam quebrado tudo. Mas agora os bolsonaristas foram desmascarados. Eles só querem livrar a cara de Bolsonaro ou até de deputados e senadores que cometerem crimes semelhantes no futuro. Ou seja, como sabem que a maioria deles tem o “rabo preso” estão querendo livrar a própria cara. Bandidos fazendo lei só podem querer “livrar a cara” dos comparsas e deles próprios. (LGLM)