A aprendizagem apunhalada pelas costas (confira comentário nosso)

By | 04/05/2025 9:15 am

Trocou-se uma política econômica de sucesso milenar por uma política social mal concebida

(Claudio de Moura Castro, no Estadão, em 04/05/2025)
Foto do autor
Claudio de Moura Castro, Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

O jovem terminou sua aprendizagem em marcenaria. Mas jamais pisou numa oficina ou lidou com ferramentas. Não fez senão empilhar caixas. Algo vai mal.

Os últimos séculos mostraram que, em quase tudo, o sistema de mercado é a melhor solução. É eficiente e se reajusta sozinho, dispensando babás. Claro, tem suas limitações. Alguém cai da escada e fica aleijado. Outro requer um tratamento médico além de suas posses. O Estado deve cobrir tais despesas. São gastos inevitáveis, justificando as políticas sociais. Todavia, em casos, uma boa política econômica pode evitar que a social tenha de entrar em cena. Por exemplo, melhor do que seguro-desemprego é uma política econômica que não gere desempregados.

Sob o prisma dessa introdução, quero discutir a aprendizagem, ou seja, a milenar tradição de aprender no trabalho com alguém que dominou a profissão.

Desde sempre, o pai confiava seu filho a um mestre experimentado, para lhe ensinar o ofício. As regras e as remunerações foram se ajustando e reajustando, respondendo aos mercados. O menor salário do aprendiz reflete a sua produtividade limitada e o tempo gasto em sua preparação. Aos poucos, entram em cena regulamentos, para padronizar as práticas e evitar abusos.

Na política econômica, as regras são criadas para permitir que o mercado vá se ajustando por sua conta. O aprendiz tem sólidas razões para ir trabalhar com o mestre. E a empresa também ganha, pois desfruta do menor preço do seu trabalho, compensando o encargo de ensinar o ofício. Assim é qualquer transação econômica. Se eu compro bananas, é porque meu desfrute vale mais do que paguei. E o que recebe o vendedor é suficiente para que se disponha a me vender.

Porém, se algum dos lados não ganha, não se contratam aprendizes e não se vendem bananas. Assim funciona o mercado. O contrato de compra é um ato voluntário, por trazer vantagens para ambas as partes. Por isso os países evitam imposições legais que tornem o contrato de aprendizagem desinteressante para qualquer dos lados. Sem isso, não há aprendizes.

A despeito dos séculos de experiência acumulada – internacional e brasileira –, nossos doutos legisladores conseguiram a proeza de criar uma sequência de leis que tornaram o contrato de aprendizagem desinteressante, pasme-se, para ambos os lados. Aprendizes não se interessam. E os patrões consideram ser um mau negócio para a empresa. De fato, os transtornos, os níveis de remuneração e as severas limitações no que podem fazer compõem um pacote indesejado.

Como as empresas não funcionam por idealismo, não querem receber aprendizes. Então, para obrigá-las, criam-se leis. Diante delas, fazem corpo mole, tentam escapulir. Algumas preferem pagar as multas. Em contraste, em países com muitos aprendizes, as empresas nem sequer são obrigadas a recebê-los. Se o fazem, é por ser vantajoso. Em alguns países da Europa, a aprendizagem absorve mais da metade da faixa etária de 16 a 19 anos. E, note-se, isso acontece em sociedades ultrazelosas com o bem-estar dos mais jovens.

Em vez de regulada pelo mercado, a aprendizagem brasileira virou uma imposição, uma tutela. Criou obrigações e estorvos que não são compensados pelos benefícios. Os contratos são complicadíssimos. O chefe não comanda o aprendiz, como o seu funcionário. Em crises, tem de despedir operários produtivos, pois os aprendizes são “imexíveis”. O caso da indústria é pior, pois os aprendizes não podem estar onde há máquinas – exceto se estiverem lacradas. O caso do primeiro parágrafo vem de uma pesquisa no Paraná mostrando que aprendizes de marcenaria passavam todo o seu tempo no almoxarifado. E, como não podiam sequer entrar na marcenaria, saíam sem nada aprender desse ofício.

Como as imposições e tutelas substituíram a lógica do mercado, a aprendizagem virou política social. Não apenas metaforicamente, mas a aprendizagem foi enquadrada no mesmo programa de distribuição de leite para os pobres. O que eram transações espontâneas viraram imposições legais, pois a empresa não queria aquele aprendiz.

Apenas a metade das vagas legais de aprendizes é usada. Se fosse uma proposta atraente, até meio milhão a mais de aprendizes preencheriam essas vagas. Mas é ainda pior. Na Alemanha, após a aprendizagem, 55% dos aprendizes são confirmados na mesma empresa; na Inglaterra, 73%. No Brasil, apenas 10%.

É o pior dos mundos. Nem empresas nem potenciais aprendizes têm interesse nos contratos. Os que vão para as indústrias não podem aprender qualquer ofício sério (empilhar caixas não é ofício). E quase todos os que terminam voltam para o desemprego. Justamente o que estas lambonas legislações se propunham a evitar. Trocou-se uma política econômica de sucesso milenar por uma política social mal concebida.

Como resolver o problema? Bem fácil, é só fazer como no resto do mundo, onde as regras são atraentes para todos. Ao proteger demais, a aprendizagem tornou-se uma opção desinteressante, até para os próprios aprendizes. Por contrariar a lógica de mercado, jogou-se no lixo uma tradição milenar.

Implantou-se uma tutela, ruim para todos.

Comentário nosso – Nas cidades onde existem cursos profissionais, como Patos e Santa Luzia, por exemplo, não aprende uma profissão quem não quer. Mas há profissões que ainda não tem cursos profissionais, em muitas cidades. Como aprender mecânica de autos, por exemplo, em Piancó. A lei deveria permitir o aprendizado, como acontecia antigamente, nas próprias oficinas mecânicas, onde aprenderam muitos dos nossos mecânicos de hoje. Assim outras profissões, como gesseiro, eletricista, pedreiro e assim por diante. Devia haver uma legislação, não que obrigasse a presença de jovem aprendiz como acontece hoje, mas que regulamentasse o aprendizado nas empresas. Com uma remuneração proporcional ao trabalho executado ou ao tempo de aprendizado, com o trabalho apenas em um expediente para permitir que o jovem estudasse em outro horário e assim por diante. Eu trabalhei dos sete aos nove anos, antes de ir para o Seminário, onde fiquei até os quinze anos. Dos quinze aos dezoito trabalhei no comércio, mas nunca deixei de esudar. Faltando um mês para completar os dezoito anos, comecei a ensinar, o que fiz por mais de dez anos. Não continuei em nenhuma destas profissões, pois virei bancário, jornalista e fiscal do trabalho, mas tudo que aprendi, durante os tempos de aprendiz, me serviu pela vida afora. (LGLM)

Category: Blog Últimas

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *