O mal menor (confira comentário nosso)

By | 04/05/2025 8:54 am
Imagem ex-librisO presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), admitiu publicamente o que parecia se apresentar como uma silenciosa operação de bastidor: está estudando – “fortemente”, segundo disse – um projeto de lei que reduz as penas, em certos casos, para condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado. A mudança, prevista num projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), reduziria a pena de prisão de 4 a 8 anos para 2 a 6 anos, no primeiro caso, e de 4 a 12 anos para 2 a 8 anos, no segundo, e valeria para atos violentos sob influência de multidão e restrito a danos materiais. Para quem planejou ou financiou tais crimes não haveria redução de pena. O mesmo texto também prevê que o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito seja absorvido pelo de golpe de Estado em caso de condenação nos dois delitos. Na prática, diferente do que hoje entende o STF, as penas não poderiam ser somadas.

Não é preciso dizer mais para identificar na proposta uma solução negociada a fim de reduzir a pena das pessoas condenadas pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. É também uma forma de aplacar as pressões para colocar em votação o requerimento apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que pede urgência na apreciação do projeto de lei que anistia quem foi condenado por participação no 8 de Janeiro, o chamado PL da Anistia. Como se sabe, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem sido alvo de grita crescente da bancada bolsonarista, à qual vem resistindo com bravura. Trata-se também de uma saída para uma diferenciação entre “líderes e liderados” nos atos golpistas, algo não previsto na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, base para as recentes decisões do STF sobre o 8 de Janeiro. Se avançar, a proposta poderá beneficiar casos como o da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada a 14 anos de prisão.

Em circunstâncias normais, a discussão sobre o projeto de redução das penas poderia ser vista como casuísmo – um típico exemplo de mudança providencial destinada a favorecer grupos de pressão ou atenuar punições por interesses de ocasião. Mas o Brasil não vive tempos normais, o que mais do que nunca exige do País prudência e soluções negociadas. É o que torna aceitável, por exemplo, a estratégia do deputado Hugo Motta de deixar o PL da Anistia esfriar e não simplesmente dar um cavalo de pau e enterrá-lo de uma vez, como deveria. É também o que dá algum sentido para o fato de que Executivo, Legislativo e Judiciário se articulem para entregar alguns anéis, ou seja, atenuar algumas penas de vândalos golpistas, para preservar os dedos, mandando para a prisão articuladores, financiadores e líderes da intentona bolsonarista. E é o que torna compreensível a engenhosa alternativa identificada por Davi Alcolumbre, que se enquadra também nos limites das prerrogativas do Congresso, a quem cabe, por óbvio, mudar leis – e ao STF convém analisar sua aplicação nas ações dos atos golpistas.

Se bem cumprida, a ideia pode ajudar a evitar um mal maior: a anistia a golpistas de qualquer tamanho, “líderes ou liderados”, e sobretudo evitar que o maior golpista de todos, Jair Bolsonaro, deixe de prestar contas à Justiça. O texto do PL da Anistia é tão amplo que pode até mesmo reverter a inelegibilidade do ex-presidente imposta após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condená-lo por atacar as urnas eletrônicas. É inconcebível, e certamente o pior cenário, deixar prosperar qualquer tentativa de driblar a lei e a Constituição, como vêm fazendo Bolsonaro e os bolsonaristas mais empedernidos, e anistiar os que conspiraram para destruir a democracia depois das eleições de 2022 – a começar por ele próprio. No mundo ideal, o País não debateria anistia a golpistas, porque nem sequer teria havido o ataque à democracia como ocorreu. Mas, diante da bagunça criada por Bolsonaro e seus cúmplices, conter grandes males dentro da lei e com respeito ao papel de cada um dos Três Poderes já é um avanço e tanto.

Comentário nosso – A ideia de Alcolumbre é a melhor que surgiu no Congresso Nacional. Muito melhor do que a ideia de Hugo Motta de deixar a proposta de anistia de molho, com os bolsonaristas enchendo o saco tentando força a votação do seu projeto. A ideia de Alcolumbre desmascara a tentativa dos bolsonaristas de fingir beneficiar os menos culpados pela bandalheira de 8 de janeiro, quando querem é beneficiar Bolsonaro e outros bandidos da qualidade dele, que atentaram descaradamente com o Estado Democrático de Direito, com a sua tentativa de golpe militar. (LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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