O desafio de Leão XIV

By | 09/05/2025 7:14 am

O papa herda uma Igreja em transformação em um mundo conturbado. Para ser um pontífice da paz numa era de conflitos, precisará dialogar sem abandonar convicções, reformar sem romper

 

Imagem ex-libris“Após um papa gordo, um papa magro”, diz o provérbio. Após um papa “do fim do mundo”, um papa da nação mais rica e poderosa do planeta, que liderou uma nova ordem mundial – e agora abala seus fundamentos.

A Igreja que escolheu o americano Robert Prevost para chefiá-la também é diferente da que elegeu o falecido Francisco. Foi o conclave mais global da História. A fé definha no Ocidente, mas cresce no Oriente. Na América Latina, os evangélicos trazem uma visão nova de Cristo, mas também dúvidas e desafios. Conversões florescem na África e Ásia, mas também atritos com ditaduras e o Islã.

O mundo é diferente: conflitos despertam o espectro da guerra mundial; as democracias estão em recessão, as autocracias, em ascensão, o multilateralismo, em descrédito. A economia se desacelera; as populações envelhecem; tecnologias despertam sonhos de empoderamento sobre-humano, mas também o pesadelo da desumanização.

Na Praça São Pedro, em seu primeiro pronunciamento após ser eleito papa, Leão XIV pronunciou dez vezes a palavra “paz”. “Que a paz esteja convosco”, disse, repetindo a saudação do Cristo ressuscitado. “Uma paz desarmada, uma paz desarmadora, humilde e perseverante, que vem de Deus”, e que o papa gostaria que entrasse em nosso “coração”, alcançasse nossas “famílias”, “todas as pessoas, onde quer que estejam”. E disse como cumprirá essa missão: com uma Igreja que “constrói pontes, que dialoga, sempre aberta a receber”, que “caminha”, que busca “sempre a caridade” e “sempre estar próxima, especialmente dos que sofrem”.

Rios de tinta e saliva correrão sobre o perfil do pontífice. Seu pontificado se adaptará ao mundo moderno, ou tentará adaptá-lo? Qual será sua posição ante a causa LGBT, a ordenação de mulheres, a guerra na Ucrânia ou – inevitável – seu conterrâneo Donald Trump?

Perguntas legítimas, desde que não sejam reducionistas. A mídia secular aplica sua régua – conservador versus progressista –, mas os riscos desse achatamento cognitivo são evidentes. Basta olhar para aquele de quem Leão XIV é vicário. Pode-se afirmar que Jesus não era nem reacionário nem revolucionário, mas a pergunta sobre se era conservador ou progressista colapsa tão logo é formulada. Leão XIII, por exemplo, propôs uma doutrina robusta da justiça social, mas criticou o socialismo e o capitalismo; dialogou com a modernidade, mas reavivou a teologia patrística e escolástica. Conservador ou progressista?

A Igreja precisa ser conservadora: ela se vê como depositária de um dom divino. Mas precisa ser progressista, porque esse dom não pode só ser conservado: deve penetrar o mundo, expandir-se sobre ele, transformá-lo. O cristianismo se vê como a síntese de um acontecimento – a encarnação do Deus-homem –, uma promessa – a união de Deus com a humanidade e a criação – e uma missão – a realização dessa promessa pela regeneração pessoal, social e natural.

Prevost tem formação científica, foi missionário, prior agostiniano e próximo a Francisco. Se quer trazer paz a um mundo conturbado, tem formidáveis instrumentos nas mãos. A Igreja Católica é a instituição mais antiga e mais globalizada do planeta – não só seus 1,4 bilhão de fiéis de todas as etnias, classes e culturas, mas as homenagens de líderes religiosos, chefes de Estado e pessoas de todo o mundo no funeral de Francisco são a prova viva.

A Igreja não tem armas nem capital, mas está na melhor posição para dialogar com protestantes e ortodoxos; com judeus e muçulmanos – todos filhos de Abraão e tributários de Moisés. Ela compartilha da fé humanista na dignidade absoluta do ser humano e na fraternidade universal – mas porque crê em um Pai –; compartilha o anseio muçulmano de servir a um Deus absolutamente bom – mas um Deus humano.

Nessa missão, o juízo sobre se Leão XIV – como Francisco e os sucessores de Pedro – será um bom “progressista” ou um bom “conservador” é secundário. O mundo deve julgar se o papa é um bom homem e um bom cristão. O critério foi dado pelo seu mestre: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, ou, em outras palavras, amar como Cristo amou. Se Leão XIV for fiel a esse mandamento, será um bom papa – e o mundo terá um pouco mais de paz.

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde 09 de março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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