
Como se viu nesta semana, uma influenciadora digital com mais de 100 milhões de seguidores em suas redes sociais serviu entretenimento para quem quis e pôde ver, fazendo com que o mundo analógico dos parlamentares fosse engolido de forma humilhante – e pedagógica também. Na terça-feira, ao comparecer à CPI, a sra. Virginia Fonseca foi tietada por senadores e funcionários da Casa. Um dos parlamentares, o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), chegou a interromper a sessão para tirar foto com a tal influencer, convocada a prestar depoimento pela relatora da comissão, Soraya Thronicke (Podemos-MS). Por sua vez, o presidente da CPI, senador Dr. Hiran (PP-RR), fez piada sobre a beleza de Zé Felipe, companheiro de Virginia.
No ponto que realmente importa, a influenciadora se defendeu, afirmando que não lucra com base nas perdas de seus seguidores e que seus contratos nada têm de “anormal”. Como se sabe, o ponto central da investigação gira em torno da suspeita de que influenciadores estariam sendo remunerados não apenas pela publicidade em si, mas também com base em cláusulas contratuais que preveem bônus proporcionais às perdas de seus seguidores nas apostas – a chamada “cláusula da desgraça alheia”. Essa possibilidade foi também negada pelo influenciador Rico Melquiades, presente à CPI no dia seguinte à ida de Virginia Fonseca.
O diversionismo e o constrangimento vistos no Senado – que, num misto de amadorismo e inépcia, converteu poderosos influenciadores em ingênuos participantes de relações comerciais tradicionais – seriam problemas menores se não fossem parte de uma tragédia maior. A humilhação em praça pública foi, isso sim, um reflexo do despreparo do Congresso para tratar do tema – ou do deliberado desinteresse do Legislativo federal em tratar do problema de forma séria.
O Congresso, assim como o governo Lula da Silva, já havia feito uma aposta de altíssimo risco: ao legalizar as apostas online, fez ouvidos de mercador aos conhecidos riscos da jogatina, entre os quais se incluem o vício, a lavagem de dinheiro, a ruína financeira de famílias, as fraudes, o absenteísmo no trabalho, a violência doméstica e os prejuízos no varejo – todos efeitos colaterais dos cassinos e jogos de azar fartamente disponíveis no ambiente digital, acessíveis em qualquer lugar, a qualquer minuto, enquanto jogadores são bombardeados por um arsenal publicitário bilionário que recruta celebridades (vamos chamá-las assim) para vender ilusões de ganho fácil.
Recente pesquisa do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostrou que mais de um terço dos apostadores brasileiros sofre algum grau de transtorno relacionado ao vício em jogos. Adolescentes são os mais vulneráveis. A Organização Mundial da Saúde estima que até 5,8% da população preenche critérios para o diagnóstico de ludopatia, a compulsão pelo jogo. Onipresentes, os jogos online agravam o problema.
Nas leis e regulações aprovadas, faltam salvaguardas mais sólidas contra esses danos. A CPI poderia prestar-se a corrigir tais falhas e ajudar o País a construir os devidos diques de proteção contra os malefícios produzidos pelos serviços de apostas online, mas parece longe disso. Enfrentar os riscos de uma crise nacional de ludopatia requer muito mais do que piadas de mau gosto, produção de cenas destinadas a garantir visualizações e likes nas redes sociais ou despreparo para inquirir profissionais do ramo.
Comentário nosso – Cada vez mais provado que o nosso Congresso é um circo onde a maioria do elenco é de palhaços, que dão opinião sobre assuntos de que não entendem “patavina”. Numa sessão destinada a esclarecer a questão das empresas de apostas (as bets), um senador ao invés de contribuir com a discussão dos problemas das bets, preferiu “tietar” o “influencer” tirando fotos com ele, numa verdadeira palhaçada. (LGLM)