(Editorial da Folha neste sábado)
Queixa-se a presidente Dilma Rousseff (PT), em entrevista ao jornal americano “The Washington Post”, de haver “um pouco de preconceito sexual” na forma com que é descrito seu modo de governar.
Seria essa a razão, prosseguiu, de tantas críticas a seu detalhismo administrativo e a seu hábito de interferir em escalões decisórios inferiores. Inexiste, diz ela, quem fale mal de “presidente do sexo masculino [que] coloca o dedo em tudo”.
Dilma estaria sendo vítima, portanto, das construções sexistas em torno da “mulher metida”, da “patroa implicante”, ou de qualquer das incontáveis formulações que, dos contos de fada às comédias de Molière, exigem modéstia e subserviência do sexo feminino.
Pode ser. A variedade dos estereótipos femininos negativos é tão grande que dificilmente alguma liderança ou mulher de destaque estará livre de grosseria ou injustiça.
Beleza ou feiura, cabelos brancos ou tingidos, sexualidade forte ou ausente, plástica ou rugas, roupas assim ou assado: é como se quase nada fosse perdoado à mulher em postos de comando –que o digam Luiza Erundina, Marta Suplicy e Graça Foster, por exemplo.
E Dilma? Preservado que seja seu direito de reclamar, o fato é que por muito tempo o “viés sexista” contou, na verdade, a seu favor. Em 2008, o então presidente Lula (PT) foi o primeiro a lançar sua candidatura valendo-se de tal ótica. A então ministra da Casa Civil seria “a mãe do PAC”.
Nos primeiros meses de governo, Dilma beneficiou-se de outra ficção mercadológica inspirada na sua identidade de gênero. Era a “faxineira”, capaz de varrer do governo os acusados de corrupção.
Em voo bem mais ousado, o publicitário João Santana já tinha atribuído a Dilma, em 2010, o lugar imaginário da “rainha”, dentro do que chamou de “mitologia política e sentimental” dos brasileiros.
Vê-se, atualmente, que não houve rainha, nem faxineira, nem mãe, nem qualquer outra imagem fantasiosa capaz de corresponder à atuação de Dilma como presidente.
Diferenças ideológicas à parte, Dilma Rousseff poderia ter obtido o respeito que cerca mulheres como Margaret Thatcher ou Angela Merkel; hoje o risco é que, num cenário econômico desastroso, pelo qual em grande parte foi responsável, sua figura esteja mais próxima da de Cristina Kirchner.
Pois a questão principal não é, e nunca foi, de “preconceito de gênero”: teimosa, detalhista ou rude, características desse tipo seriam vistas com outros olhos se seu governo mostrasse responsabilidade, rigor e competência.
Espantoso, na verdade, é que tenha aparentado possuir tais virtudes sem que a farsa, como num conto de fadas, se desfizesse rapidamente no ar.