Uma agenda fora de foco

By | 12/10/2014 6:32 am

(Elio Gaspari, colunista da Folha, neste domingo)

Serão necessários alguns meses para uma melhor análise da eleição parlamentar da semana passada. Mesmo assim, pode-se arriscar o palpite de que, enquanto discutem-se questões do século 21 naquele que seria um Brasil moderno como a Holanda, o eleitorado foi noutra direção, aparentemente conservadora, mas apenas latino-americana.

O deputado mais votado em São Paulo foi Celso Russomanno (PRB, com 1,5 milhão de votos). No Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro (PP, com 464 mil votos). No Paraná, Christiane Yared (PTN, 200 mil votos). No Rio Grande do Sul, Luiz Carlos Heinze (PP, 162 mil votos). Em Brasília, o coronel da PM Alberto Fraga (DEM, 155 mil votos). Salvo Yared, que não se definiu em relação ao tema, todos condenam o casamento de homossexuais. Bolsonaro e Fraga não são apenas conservadores, refletem um autoritarismo que vem de outras cepas. O rótulo, contudo é curto para Russomanno. Yared, por exemplo, notabilizou-se lutando pelas vítimas do trânsito. Seu filho foi morto por um motorista.

Um recuo de Marina Silva em relação à união civil de homossexuais tisnou-lhe o encanto da “nova política”. Num país em que os principais candidatos a presidente fogem da discussão sobre o direito das mulheres de abortar (um tema do século 20), fica-se com a impressão de que a legalização da maconha e o reconhecimento dos direitos dos homossexuais estão no topo da agenda nacional. A demarcação das terras indígenas é sem dúvida um tema relevante, mas aceita-se com certa naturalidade que nas terras da periferia das grandes cidades a polícia mate um cidadão e diga que ele era um “suspeito”. A agenda holandesa num país latino-americano provoca uma dissonância: discute-se uma coisa, e o eleitor vota em outra.

No Brasil latino-americano o cidadão paga impostos e não tem saúde pública. Compra o plano privado, não consegue marcar um procedimento contratado, e o Congresso aprova uma anistia para as multas aplicadas às operadoras. (Felizmente a doutora Dilma vetou esse mimo.) As pessoas morrem no trânsito, e o ministro da Fazenda tenta aliviar a exigência legal de colocação de airbags no carros novos. Fecha-se a maior faculdade de medicina privada do país e ninguém pergunta como a Gama Filho tornou-se um descalabro. Um bandido mata um pai de família, é posto em liberdade, mata outro, e do Judiciário ouve-se que a lei foi cumprida.

Pode-se flertar com uma explicação fácil: Russomanno teve o apoio da Igreja Universal, Yared e Heinze são evangélicos. A bancada dessa denominação cristã cresceu 14%, chegando a 70 deputados, empatando com a do PT. Quem olha para o Templo de Salomão, em São Paulo, e vê nele um monumento à manipulação da fé do andar de baixo, converte ignorância em demofobia. (Frequentemente, são pessoas que dão preferência a evangélicos quando contratam empregados para trabalhar em suas casas.) Há dois anos, Celso Russomanno parecia uma barbada na eleição para a Prefeitura de São Paulo. Tem um programa de televisão no qual defende os direitos dos consumidores. Propôs uma tarifa diferenciada para os ônibus (quanto mais tempo o sujeito ficasse no engarrafamento, maior a tarifa). Perdeu 270 mil votos em duas semanas e não chegou ao segundo turno.

Atribuir grandes votações à ingenuidade popular livra a pessoa da necessidade de perceber que sua agenda não é a do povo. O Brasil Maravilha não existe, e a eleição de domingo passado mostrou isso num simples episódio. Em 2006 esse Brasil do futuro entrou na era espacial quando o tenente-coronel Marcos Pontes, da FAB, passou nove dias na órbita da Terra a bordo da nave russa Soyuz. Voltou, foi para a reserva e candidatou-se a deputado federal em São Paulo. Afinal, John Glenn, o primeiro americano a entrar em órbita, elegeu-se senador. O “Astronauta Marcos Pontes”, número 4.077 pelo PSB, não se elegeu. Por quê? Porque o Brasil não tem programa espacial, e o povo sabe disso.

SAUDADES DO JOAQUIM

De um sábio que conhece as coisas da vida e do Supremo Tribunal: “Com o Teori Zavascki como relator do processo onde estão o amigo Paulinho’ e Alberto Youssef, eles vão sentir saudades do Joaquim Barbosa”.

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Category: Nacionais

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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