(Clóvis Rossi, colunista da Folha)
O governo Michel Temer começa da mesma forma que começou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva: com Henrique Meirelles como o homem forte da economia. Como presidente do BC, Meirelles determinava os dois preços vitais da economia, o do dinheiro (juros) e o da moeda (câmbio), além de condicionar a terceira perna de qualquer economia, a fiscal.
É o suficiente para demonstrar o nível de indigência mental de quem põe esquerda/direita no debate sobre a conjuntura brasileira.
Outra fraude é supor que haja um conflito entre os setores supostamente populares e os anti-populares. Vai me enganar que Katia Abreu, a ministra da Agricultura, é “do povo”?
Não é a única coincidência direita/esquerda, constata Antonio Navalón, colunista de “El País”: “Nenhuma razão desculpa Lula e Rousseff de terminar cheirando a podre como os inimigos do passado.”
Não que não exista direita. Existe desde sempre, é poderosa e domina a vida política e econômica. O que não existe mais é esquerda, salvo bolsões (que não estão no PT).
A esquerda brasileira, com exceções que não conseguem interferir de fato no debate público, não produziu uma ideia, uma que fosse, capaz de se contrapor ao pensamento único que está para (re)assumir o governo.
A rendição da esquerda ao receituário e aos nomes da direita e a sua tentativa de escondê-la escancaram um país primitivo. Primitivo em todos os sentidos, miserável educacional e intelectualmente, inerme, catatônico.
Houve um espasmo, é verdade, em 2013, com aquelas manifestações que exigiam serviços públicos “padrão Copa”.
O 2013 brasileiro se dá agora na França com o “Nuit Debout” (Noite de Pé), movimento que nasceu contra a reforma trabalhista proposta pelo governo (supostamente socialista) de François Hollande e se transformou em acampamento permanente na praça da República.
O nome parece uma alusão ao verso que abre a Internacional, a canção comunista (“Debout les damnés de la Terre, “De pé os malditos da Terra). É um movimento absolutamente anárquico e à margem dos partidos, o que mostra “uma profunda deslegitimação” destes, diz o pesquisador Pascal Perrineau a “El País”.
Deslegitimação que nasce claramente do fato de que partidos são, sempre segundo Perrineau, “organizações de profissionais da política”.
Todas as pesquisas recentes demonstram que também no Brasil os partidos perderam completamente o contato com os que pretendem representar, inclusive e principalmente o PT, que tinha ou pretendia ter a propriedade da rua.
Agora, em São Paulo, única cidade em que houve medições científicas das manifestações contra e pró-impeachment, havia cinco vezes mais gente contra o governo do PT do que a favor dele.
O problema é que, como em 2013, a rua logo se esvazia, e o jogo volta a ser jogado exclusivamente pelos “profissionais da política”. É um jogo feio, como o demonstra o comportamento dessa gente no dia da votação do impeachment na Câmara e tudo o que se viu e/ou se anunciou depois dele.