Não basta cassar Cunha

By | 09/07/2016 4:36 pm

 

(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)

Não basta tirar o bode da sala ou da Câmara. Os excelentíssimos deputados e senadores tentarão transformar a renúncia e a provável cassação de Eduardo Cunha numa espécie de redenção parlamentar. O presidente interino Michel Temer também aposta na saída de Cunha para alcançar uma trégua com o eleitor que pressiona por moralidade.

O cessar-fogo será temporário. Se alguém pensa que uma cassação calará o anseio por uma reforma política, está equivocado. O Brasil não consegue mais tolerar um Congresso recheado de políticos venais e incompetentes. Ladrões com foro especial, com mordomias e privilégios, que só renunciam e choram quando é atingida a própria família. Em 2007, Renan Calheiros renunciou para escapar de cassação e hoje preside o Senado, apesar de citado em inúmeros inquéritos no Supremo Tribunal Federal por lavagem de dinheiro.

Com tantos temas cruciais a ser votados, como a renegociação da dívida dos estados falidos, a Previdência e os projetos de combate à corrupção (esses jogados para escanteio por Temer e seu soldado André Moura), os parlamentares entrarão em recesso branco. Férias de inverno espremidas entre a gazeta junina e a Olimpíada. Será interessante apurar o que farão neste julho de sol tépido. Irão à Suíça?

Enquanto isso, nenhum de nós pode parar – porque há crise, desemprego e dívidas. Para o ano que vem, o governo prevê um rombo mais “discreto”, de R$ 139 bilhões, depois da derrocada econômica deixada como herança por Dilma Rousseff, outra “vítima” de perseguição como seu ex-aliado Cunha. A meta fiscal talvez só seja cumprida se pagarmos ainda mais impostos. Socorro. Nada disso afeta os deputados e senadores, que gozam 55 dias de recesso por ano e trabalham de terça a quinta-feira.

O Brasil comemora, aliviado, a renúncia de Eduardo Cunha, o bandido da hora. E aí? O peemedebista renunciou apenas à presidência da Câmara – da qual já fora afastado pelo Supremo Tribunal Federal. Cunha mantém o mandato de deputado, enquanto não for cassado.

Quais benefícios Cunha preserva, após a renúncia teatral? Salário de R$ 33.763. Atendimento médico para ele e toda a família. Apartamento funcional em Brasília ou auxílio-moradia de R$ 4.253. Verba de R$ 92 mil para contratar até 25 funcionários para o gabinete. Cota parlamentar de até R$ 35.759,97 mensais para alimentação, hospedagem, combustível e passagens aéreas para o estado de origem, o Rio de Janeiro. Isso é um escândalo.

Cunha só perde o direito de morar na residência oficial da presidência da Câmara, no Lago Sul de Brasília. Vive ali com a mulher que enternece seu coração e o faz chorar, a ex-apresentadora de TV Cláudia Cruz. O casal terá até 30 dias para sair da mansão. Cunha perde a segurança pessoal e o transporte em jatinho da FAB.

Ah, mas Cunha será cassado e perderá os benefícios e os direitos políticos por oito anos. A questão é: e os outros 512 deputados? Em primeiro lugar, são demasiados. A julgar por seu desempenho na votação do impeachment de Dilma, a maioria é de envergonhar a nação. Reduzir o número de partidos e de congressistas seria muito bom para a moral e para as finanças de Brasília. Mas também não basta.

São eles o espelho dos brasileiros? Então, que sejam mesmo o reflexo de seus eleitores deserdados. Que percam essa montanha de privilégios incompatíveis com um país em desenvolvimento e agora em recessão. Que percam o direito a aposentadorias integrais vitalícias, porque há uma crise na Previdência. Eles tiram dos aposentados pobres para proteger seus clãs e ainda abrem contas secretas milionárias com propinas. Usam verba pública e de empreiteiras para pedir nosso voto.

Se existe uma esperança de que o exercício da política tenha a ver com a defesa real do interesse público, as regras precisam mudar. Quem se candidata a deputado ou a senador não pode abocanhar uma vida de conto de fadas – e, ainda por cima, se transformar em reles vilão.

Os congressistas que porventura cassarem Cunha se sentirão imbuídos de uma aura de moralização, como se fossem os cavaleiros da Távola Redonda e não do Apocalipse. Na verdade, cassam um para que eles próprios se livrem da pressão do eleitor. Concentrar os males do país num bode expiatório não leva a lugar nenhum. A luta só começou. Que a Lava Jato continue a incomodar esquerda e direita e a gerar filhotes com nomes exóticos pelo país afora.

Que Renan Calheiros não consiga coibir as delações, com seus projetos contra “abuso de autoridade”. Que as Marilenas Chauís do PT continuem a desmoralizar não os juízes, mas a si mesmas, por insanidade. Não tem Game Over. Falta muito para o apito final. Que a sociedade continue mobilizada contra os farsantes.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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