De alma lavada

By | 20/08/2016 8:37 pm

 

(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)

Sou carioca com muito orgulho e autocrítica. A Olimpíada comprovou que o Rio de Janeiro é predestinado a sediar grandes eventos. Devemos desculpas – todos os que previram que os Jogos aqui seriam uma tragédia, um vexame, um foco de epidemias, que a abertura seria uma cafonice e nada daria certo. Houve problemas como em todo o mundo, mas está na hora de celebrar nossas conquistas. Aí vai uma pequena seleção do que nos lavou a alma. Obviedades, surpresas e lições da Rio 2016.

A hospitalidade de nossa gente. A última pesquisa oficial revelou que 98,6% dos estrangeiros aprovaram a hospitalidade do povo anfitrião. Existe uma espécie de “mob-love” carioca. A qualquer pergunta ou hesitação na rua, o turista costuma ser cercado por cariocas ansiosos em ajudar e orientar. Copacabana, nessas horas, suplanta todas as outras praias. A supremacia da Avenida Atlântica foi confirmada no circuito alternativo. Uma integração nos quiosques de sons, rocks, blues, MPB, hip-hop coreano, frevo, maracatu, pimenta biquinho, picanha de carne de sol, caipirinhas de kiwi, sangrias e red pilsen, sucos orgânicos, bolo de rolo com gelatos italianos e até arroz com feijão. A princesinha do mar ganhou medalha de ouro.

A beleza estonteante da Cidade Maravilhosa vista de fora e de dentro, do alto e de baixo. Foram raros os intervalos de vento e chuva. A luz que banha tudo e torna as noites agradáveis é a moldura ideal para as paisagens radicais de montanha e água do Rio.

O exemplo dado pelas Forças Armadas, no patrocínio aos atletas. Essa foi uma boa surpresa. No início, houve um desconforto provocado por atletas batendo continência para o Hino Nacional. O investimento em milhões de reais é muito pequeno diante do benefício para os atletas e para a imagem do Brasil. Empresas privadas, mirem-se no exemplo das Forças Armadas brasileiras.

Rafaela, Isaquias, Thiago, Robson e a superação das adversidades. A judoca de ouro da Cidade de Deus, negra, pobre e homossexual, Rafaela Silva, nos brindou com seu orgulho, seu choro e o nacionalismo expresso até no aparelho verde e amarelo nos dentes. O remador Isaquias Queiroz perdeu um rim na infância ao cair de uma árvore, seu corpo foi queimado por água fervendo da panela. O atleta Thiago Braz foi criado por avós com sacrifício após ser abandonado quando bebê pela mãe adolescente. O boxeador de ouro Robson Conceição carregava caixas de frutas nas feiras da Bahia pela madrugada. São todos exemplos.

O novo Porto. O encantamento do carioca com a nova Zona Portuária, idealizada pelo prefeito Eduardo Paes, foi talvez maior que o do estrangeiro. Recuperamos uma parte da cidade linda e antiga. A demolição do Elevado da Perimetral foi decisiva. Ponto para o prefeito e a ajuda federal. Precisamos insistir em mudar todo o conceito de mobilidade do Rio. O VLT, o BRT e o metrô funcionaram. Com problemas, com limitações. Mas o transporte público digno é o único futuro para esta cidade.

O milagre das águas. A Baía de Guanabara ficou navegável, o mar ficou transparente. A poluição continua extrema e inaceitável, precisamos de saneamento básico e investimento sem desvio na despoluição da Baía e das lagoas de Marapendi, mas tudo ficou sob controle no período e no espaço das competições.

A irreverência e o humor nas redes sociais. A “invasão” de um grupo de moças com uma “noiva” num estúdio da BBC na praia. Elas festejavam uma despedida de solteira e gritavam Bi-bi-ci. Só no Rio de Janeiro. E, dentro desse climão, as vaias aos adversários, que não devem ser elogiadas, não precisam ser crucificadas. Por mais que me solidarize com o vaiado atleta francês Renaud Lavillenie, não posso crer que tenha perdido para Thiago por causa da torcida contra. O Rio é diferente de Londres, que é diferente de Pequim. Somos passionais. Nous sommes Biscoito Globo.

A mentira e a arrogância dos nadadores olímpicos americanos, que expuseram ao mundo o preconceito com o Brasil e levantaram nossa autoestima. A segurança reforçada e a onipresença das câmeras deram certo. O Comitê dos Estados Unidos se desculpou com o Brasil. Especialmente pelo protagonista Ryan Lochte, com 12 medalhas olímpicas, considerado em seu país “o idiota mais sexy da América”. Tanto o mundo quanto nós mesmos demos crédito a eles na história fantasiosa do assalto. E, quando surgiu a versão dos seguranças, pensamos em extorsão. O benefício da dúvida era sempre dos americanos, nunca de nosso Rio violento. Queimamos todos a língua. E Lochte e seus cúmplices passaram a personificar, para seus conterrâneos, o pior do americano, “the ugly american”, o prepotente que acha que tudo pode.

Vamos em frente. Porque o Brasil tem muitas lutas para lutar.

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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