O golpe ao impeachment

By | 04/09/2016 1:33 am

 

(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)

Você e o presidente Michel Temer achavam que o seriado do impeachment de Dilma Vana Rousseff terminaria na semana passada, com o julgamento no Senado presidido pelo eminente ministro do STF Ricardo Lewandowski. Mas o PMDB de Renan “Tamu Junto” Calheiros, com a ajuda decisiva de um juiz supremo, deu um jeito de prorrogar a série. Na nova temporada, um número ainda indefinido de episódios conduzirá o país ao desfecho final. Gostando ou não, a última cena da quarta-feira não foi inesperada, foi combinada.

A decisão de cassar Dilma da Presidência e ao mesmo tempo manter seus direitos de ocupar função pública ou política foi uma violação ao Artigo 52 da Constituição de 1988 e não tem nada a ver com misericórdia ou pena. Ou com o desejo irrefreável de Dilma de ser professora de universidade pública… A decisão pode ter mais a ver com o desejo de blindar bandidos do Congresso envolvidos na Lava Jato – mesmo que se diga que uma coisa é impeachment e outra é cassação.

Erguendo o texto da Constituição, um excitado Renan Calheiros clamou: “Além da queda, o coice, eu não concordo”. E, logo depois, “Não vamu ser mau ou desumano (sic)”. Muito bonzinho ele, o mesmo que protagonizou cenas deprimentes com a senadora petista Gleisi Hoffmann, ao dizer que tinha livrado a cara dela e do marido, Paulo Bernardo, no STF. Depois pediu desculpas. Mas o mal-entendido permaneceu. Renan, o afilhado e herdeiro de Sarney, exibia para as câmeras um sorriso congelado canastrão.

O acordo era conhecido havia meses ou dias por muito mais gente do que o leitor imagina. O pedido tomou como base uma Lei do Impeachment de 1950, muito anterior portanto à Constituição de 1988. Essa lei atribui ao Senado a decisão de escolher “o prazo de inelegibilidade” do presidente afastado. A decisão de acolher o apelo da bancada do PT e fechar rapidamente o julgamento, sem debate e sem consulta ao plenário, foi um ato solitário de Lewandowski. E, segundo Renan, “correto e absolutamente defensável”. A segunda votação deu maioria simples (42 a 36 votos) para inabilitar Dilma. Era necessária maioria absoluta. Uma dezena de peemedebistas migrou para permitir a permanência de Dilma na cena política.

Se o acordo aconteceu há tempos entre Renan e Lewandowski, isso explica muita coisa. Explica os sorrisos e afagos em tantas fotos da última semana. Explica que a cassação de Eduardo Cunha tenha sido adiada para depois do impeachment de Dilma. Explica o total desinteresse da mesa pelo discurso pronto de Collor de Mello, que com razão se considera injustiçado. Em 1992, ele renunciou à Presidência e teve negado seu pedido para manter elegibilidade. Collor cumpriu os oito anos de isolamento e voltou, abraçado por Lula e absolvido pelo STF.

Foi um acordo “no mínimo bizarro”, segundo o ministro Gilmar Mendes. “Vejam vocês como isso é ilógico: se as penas são autônomas, o Senado poderia ter aplicado à ex-presidente Dilma Rousseff a pena de inabilitação, mantendo-a no cargo. Então, veja, não passa na prova dos nove do jardim de infância do Direito Constitucional. Do ponto de vista da solução jurídica, parece realmente extravagante”, disse o ministro.

Dilma não se deixou abrandar pela cortesia, declarou “guerra ao governo golpista”, pediu luta, prometeu oposição ferrenha a Temer e disse que voltará. O que se seguiu ao julgamento foi o constrangedor “Tamu junto” de Renan para Temer no Senado – e uma barafunda de declarações contraditórias de líderes. O primeiro partido a se insurgir contra o mérito do impeachment foi o PT, que anunciou a ida ao STF. Na sexta-feira, anunciava-se que PSDB, DEM, PPS e até o PMDB de Temer (não o de Renan) recorreriam todos ao STF contra o fatiamento – para não comprometer sua reputação.

Não precisam se preocupar com a reputação, porque já é péssima. Uma pesquisa Ipsos, divulgada na sexta-feira pelo jornal Valor Econômico, indicou que Temer é reprovado por 68% dos brasileiros e Dilma por 71%. O campeão é Eduardo Cunha, com 77%. O ex-presidente Lula aparece logo depois de Temer, com 67%. O senador Aécio Neves, 64%. Esse é o time seleto com mais de 60% de reprovação. A pesquisa foi feita de 30 de junho a 9 de agosto, bem antes do fim do julgamento. Foram 1.200 entrevistas em 72 municípios.

Ninguém achava que o Brasil sairia pacificado do doloroso afastamento de uma presidente que abusou da prerrogativa de errar, a ponto de perder apoio do povo, do Congresso, do próprio PT e de empresários. Mas Temer, na véspera do julgamento, afirmou: “O Brasil está pacificado juridicamente”. Longe disso. Tudo pode ser contestado no Supremo. O PT tem o direito de achar que Dilma não poderia ser impedida porque, ao manter seus direitos políticos, não seria criminosa. A “base aliada” tem o direito de exigir o respeito à Constituição. Os dois lados reclamarão de golpe parlamentar. E agora, STF?

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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