By Luiz Gonzaga Lima de Morais | 10/10/2016 7:44 am
Dr. Antônio Cid me chamou a atenção para este belíssimo texto de nosso ex-vereador, ex-deputado estadual, ex-deputado federal e jurista consagrado, Gilvan Freire, postado no Facebook. Merece ser curtido e compartilhado:
Primeira região brasileira em número de estados, terceira em área geográfica, detentora de mais de 27% da população do país, não basta ao Nordeste ter sido também o berço da colonização portuguesa a partir do descobrimento, em 1500, e pungente maior centro financeiro até meados do século XVII.
Essa imponência histórica pouco vale quando é para a região e seu povo exigirem respeito e atenções da República e dos poderes constituídos, e também, de certa forma, das populações mais ricas e mais desenvolvidas internamente, todos fomentadores de um tratamento recorrentemente descriminatório e injusto com relação a esse apêndice do Brasil rico.
Representando pouco menos de um terço de todos os brasileiros e quase a metade do território nacional, tirando a região amazônica ( que tem muito mais de 50% da área total e menos 12% da população ), o Nordeste é a maior região brasileira em tudo, menos nas questões sociais.
Mas os infortúnios nordestinos, medidos por réguas sociais perversas e amargas e índices alarmantes de baixa qualidade de vida ( distribuição de renda, escolaridade, doenças endêmicas e outras mazelas ), não são resultado da incapacidade de seu povo, e sim do descaso do próprio Estado brasileiro, dos governos republicanos e das práticas preconceituosas de todos os poderes.
Na distribuição das verbas governamentais federais por habitante, o Nordeste recebe próximo de um terço do que devia receber, condenando a sua população aos desastres sociais e econômicos dos últimos séculos, com milhões de pessoas mortas pela fome e pelo abandono estatal.
Isso tudo já era para ter incutido na alma do povo nordestino um sentimento de revolta, capaz por si mesmo de causar uma ruptura política e um separatismo, livrando os descriminados dessa ignominiosa submissão secular.
Essa decisão do STF de proibir a vaquejada, com o voto de minerva da ministra Carmem Lúcia , é o apogeu da vingança do Estado brasileiro preconceituoso contra uma raça interiorana que lutou pelas liberdades gerais da nação e doou seu sangue e suor para que o país fosse independente e próspero.
Seis pessoas apenas decidiram que uma recreação popular iniciada nos anos 1530, quando foram implantados no Nordeste os primeiros criatórios intensivos de gado – os espetáculos da apartação de animais pelos vaqueiros – deve ser banida para que juizes não sejam importunados por ambientalistas.
Esportes radicais e violentos, causadores de danos e mortes em humanos, como o boxe e seus afins, podem. Acasalamento entre pessoas do mesmo sexo, contrariando o direito natural que pressupõe o acasalamento entre machos e fêmeas, pode, em nome da liberdade e da felicidade.
Assaltar e saquear o país ao longo dos anos para satisfazer o apetite e a liberdade dos gatunos do calarinho branco, pode. Tanto que pode que virou costume até dentro de tribunais.
Desviar mais de 1 trilhão de reais dos cofres públicos, em detrimento das mazelas sociais do Nordeste, matando indigentes da saúde e famintos da exclusão social, pode. Tanto pode que virou costume aos olhos da cúpula de um judiciário complacente, salvo pelo gongo por Sérgio Moro e seus cavaleiros da boa esperança.
Atestar a legalidade dos financiamentos de campanha custeados com o dinheiro da criminalidade, ao Judiciário pode. Tanto pode que virou costume nas eleições brasileiras dos últimos tempos, em nome da liberdade de organização e manifestação política
Rasgar deliberadamente a Constituição Federal para favorecer e indulgenciar um condenado de grave crime de responsabilidade contra o Estado, pode. Tanto pode que o próprio presidente da mais alta corte de justiça o fez de forma solene, ao testemunho da nação inteira, em nome da liberdade de interpretação.
Convidar pessoas investigadas, posteriormente denunciadas, para uma solenidade de posse nos salões nobres e litúrgicos do Supremo, pode. Tanto pode que a ministra Carmem Lúcia o fez em nome do dever de gratidão, o arrepio de mais de 70% da população brasileira, que queria ver seus convidados presos.
Cassar o direito e a liberdade que o povo nordestino tem de escolher e preservar as suas manifestações culturais de raiz, pode. E pode para que essa raça insubmissa se ajoelhe perante a República onde tudo pode em nome da liberdade e da felicidade que a elite dirigente concede a ela mesma e a seus escolhidos.
Maus tratos de animais nas vaquejadas ? Morrem e são mutilados mais bois durante o transporte de animais num só dia no Brasil do que em todas as vaquejadas juntas do Nordeste em um ano.
Bovinos, caprinos, ovinos e suínos são abatidos todas as horas de forma impiedosa pelo Brasil afora, sem que os magistrados repulsem essas práticas ao saboreá-los com suas famílias. Isso pode, porque é um costume de séculos e os magistrados usam a seu favor os costumes como a lei dos tempos.
Vaquejada não pode mais. A felicidade coletiva não pode mais. A liberdade de manifestação popular não vale mais. Pode ter liberdade de credo até para a feitiçaria e a bruxaria, com o sacrifício de animais, mas vaquejada no Nordeste não pode não.
Seis pessoas apenas extinguem a tradição e a identidade cultural de 55 milhões de nordestinos, afora a irradiação que essa cultura espalhou por outras regiões do país, em nome de um intervencionismo jurídico autoritário. E elitista e preconceituoso.
É mais uma condenação sem culpa do povo nordestino à perda de sua memória cultural e ao atraso econômico. Merece uma rebelião pelo menos política para que a raça originária da fundação do Brasil não perca o direito de ao menos ser livre de outras formas de colonização e escravização.