Vinte anos depois!

By | 16/10/2016 7:04 am

 

Era 16 de outubro de 1996. Eu estava há pouco mais de um ano trabalhando em João Pessoa, no Ministério do Trabalho. Na manhã daquele dia fui surpreendido com a notícia de que meu pai sofrera mais um acidente, desta vez com maior gravidade do que os anteriores. Naqueles fraturara os dois fêmures, um de cada vez. Deles se recuperara quase completamente e continuava a se movimentar para toda parte, apesar dos oitenta e dois anos e dos dois acidentes. Agora, segundo se suspeitava, a queda lhe provocara traumatismo craniano.

Mas, vamos voltar um pouco no tempo para nos situarmos nos fatos. Viúvo há mais de vinte anos, meu pai passara a frequentar a casa de Marluce, uma amiga da antiga Cajarana, frequentada principalmente por pessoas mais velhas. Ela os recebia bem e eles batiam um papo, enquanto bebericavam alguma coisa. Marluce tinha dois filhos, Gilberto e o Nego, como o costumavam chamar. Gilberto era um pouco maior, o Nego ainda se arrastava. Meu pai, que sempre gostou de crianças, terminou se afeiçoando a Gilberto que passou a chama-lo de “vô”. Isto chegou a gerar alguns mal-entendidos pois algumas pessoas me perguntavam se Gilberto era meu filho. Gilberto passou a frequentar a casa de meu pai, e às vezes passava dias por lá. Com o tempo, Gilberto ficou adulto e constituiu uma família e pai transferiu para os filhos de Gilberto os carinhos de avô.

Naquele dia, logo cedo, meu pai saiu de casa na rua Cônego Bernardo, em direção à casa de Gilberto, salvo engano, no Beco do Colorau. Numa mão levava a bengala que o amparava depois dos acidentes, na outra uma vasilha com um pouco de leite e uma sacola de plástico com alguns pães. Levava-os para os filhos de Gilberto.

Ele saía da rua Miguel Sátiro, pela lateral do antigo Paraiban, para atravessar a rua Solon de Lucena. Olhou para o lado esquerdo e não vendo nenhum veículo se aproximar, começou a atravessar a rua. Só que naquele instante, saiu do Beco da Conceição, um motoqueiro “empinando” uma moto. Percorreu todo o trecho “empinado” e foi atropelar meu pai justamente no meio da rua. Na queda, meu pai bateu com a cabeça no meio-fio do canteiro, o que provocou o traumatismo craniano. Diante do ruído, várias pessoas correram para ver o que era, um deles funcionário da Farmácia de Ridete que foi o primeiro a acudi-lo. Naquele momento passava por ali de automóvel, um velho amigo meu, Lacordaire Menezes, que diante da situação do meu pai, com ajuda do funcionário de Ridete, colocou meu pai no veículo e levou-o para o Hospital. Meu cunhado Antônio Rocha, esposo de minha irmã Leda, foi avisado e correu para o Hospital. Nos primeiros exames, os médicos do Hospital constataram o traumatismo craniano e sugeriram que o levassem para Campina Grande.

Imediatamente, Leda e Rocha telefonaram para mim e para Fátima e contaram o que tinha acontecido. Eu entrei em contato com alguns amigos, mas não havia nenhuma ambulância oficial disponível. Lembrei-me de Vavá Marques, então prefeito de São José do Bonfim, que me disse estar com a ambulância na oficina, mas ia ver o que podia fazer. Logo depois telefonou dizendo que conseguira uma ambulância de um cidadão de São José de Espinharas que já mandara para o Hospital.

Logo em seguida, parti de João Pessoa para me encontrar com a ambulância em Campina Grande, para onde também viria Fátima, minha irmã que residia em Natal. Ângela minha cunhada veio dirigindo para mim, preocupada com meu estado emocional.

Fomos nos encontrar com a ambulância na frente do Hospital Pedro I e imediatamente nos dirigimos para a entrada do Hospital, eu, Fátima e Rocha acompanhando uma maca que viera pegá-lo. Fátima ia ascultando-o e começou a chorar, virou-se para mim e disse: “Pai morreu”. Na portaria do Hospital fomos aconselhados a voltar imediatamente sem nem dar entrada no Hospital, pois haveria muito burocracia para sairmos de lá com o corpo de meu pai. Voltamos para Patos imediatamente para sepultá-lo. No caminho Fátima me disse: “A coisa de que ele tinha mais medo era de ficar inválido, pelas mãos dos outros, o que certamente aconteceria se ele superasse o traumatismo craniano”. Foi nosso consolo.

Em Patos, providenciamos a preparação do corpo para o velório. Minha saudosa amiga Nenzinha, meu anjo da guarda em muitos apertos, deu-lhe o último banho e o vestiu para o velório. No dia seguinte, nós o sepultamos no cemitério de São Miguel, no túmulo onde fora sepultada minha mãe, vinte e três anos e seis meses antes dele.

O motoqueiro irresponsável, segundo soube depois, voltou a matar, na outra esquina do Paraiban, uma das irmãs Farias, que morava na rua da Pedra.

Aquela época, mortes no trânsito eram considerados crimes culposos e terminou não dando em nada. Tanto a morte do meu pai como outros acidentes provocados pelo mesmo motoqueiro irresponsável. Foi feito inquérito, aberto processo, mas nem procurei saber o resultado, pois não daria em nada.

Por ironia do destino, hoje, o motoqueiro irresponsável de vinte anos atrás é agente de trânsito em Patos. Talvez tenha se recuperado, mas tem nas costas o que hoje pode ser considerado crime doloso e que poderia dar cadeia se acontecesse agora, pela imprudência com que foi cometido, quem sabe agravada por uma possível embriaguês.

A punição do culpado não devolveria meu pai. De quem guardo a lembrança de uma pessoa simples, que gostava de ler e, mesmo com toda a dificuldade daquela época, conseguiu educar os três filhos, dois dos quais formados em nível superior. Ele e minha mãe, estudaram pouco, mas acreditavam que pobre só conseguia “subir da vida” se estudasse. Nós estudamos e nisso fomos ajudados por um grande apego que os dois tinham pela leitura, o que aprendemos com ele e transmitimos a nossos oito filhos e sobrinhos, sete deles já formados.

São vinte anos da morte de Antônio Torres de Morais, aposentado como comerciário e escrivão de polícia de São José de Espinharas, e que nos deixou a lembrança de um grande batalhador e um grande pai.  E que saudade!(LGLM)

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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