(do blog de Josias de Sousa, no UOL Online)
Lula é ao mesmo tempo um ex-heroi e uma vítima da ética de mostruário que cultivou antes de chegar ao poder. O seu sucesso político é um trunfo do ideal da perseverança do brasileiro humilde que veio ao mundo para servir de exemplo. Sua desgraça é o surgimento de uma interrogação: exemplo de quê? Imaginando-se dono um destino de glórias, Lula tornou-se uma melancólica fatalidade. E as notas oficiais do Instituto Lula, a pretexto de rebater ataques à imagem do líder imaculado, contribui para a dessacralização do personagem, expondo-lhe os pés de barro.
A penúltima evidência de que o todo-poderoso do PT também está sujeito à condição humana foi a autuação da Receita Federal ao Instituto Lula por “desvio de finalidade”. Isenta de impostos, a entidade efetuou despesas fora dos padrões. Por exemplo: repassou R$ 1,3 milhão para uma empresa chamada G4 Entretenimento. Pertence a Fábio Luís, filho de Lula. E tem como sócio Fernando Bittar, dono do sítio que Lula utiliza como se fosse dele. Para o fisco, não houve prestação de serviço, mas transferência de recursos para Lula ou parentes. Cobraram-se os tributos devidos.
Em nota, o Instituto Lula disse que entregou ao fisco o papelório que comprovaria que a G4 prestou serviços “em diferentes projetos”. O texto dá de barato que todos os contribuintes brasileiros devem considerar natural que o Estado dê isenção tributária para que o instituto de Lula contrate a empresa que seu primogênito mantém em sociedade com o dono do sítio que a OAS e a Odebrecht reformaram para o usufruto da divindade. Ai, ai, ai.
O que mais assusta nas notas do Instituto Lula é sua banalidade. A desfaçatez, o malabarismo retórico para esconder o fiasco do ex-mocinho, nada disso surpreende a plateia, já habituada ao cinismo associado aos motivos dos poderosos. O que espanta é o desprezo à castidade presumida da “alma mais honesta” que o Brasil já conheceu.
Como se sabe, o mensalão não justificou o impeachment. Naquele escândalo, Lula escapou pela tangente do “eu não sabia”. Mas o acúmulo de reincidências —do petrolão aos confortos bancados por terceiros— é um atentado contra a paciência alheia. O problema não é a idiotice das notas do Instituto Lula. O que incomoda é a tentativa permanente de fazer a plateia de idiota.