(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)
Sou a favor do direito de greve. Contra a imposição de greve. A favor do direito de trabalhar e do direito de ir e vir. A favor de paralisação, resguardados os serviços essenciais. Contra os piquetes violentos. Contra a ditadura sindical. A favor do direito de manifestação contra reformas do governo. Contra a imposição de um pensamento único. Contra o uso da força e pneus queimados para impedir a população de trabalhar e trafegar. Contra bombas de gás, balas de borracha e tropas de choque para impedir protestos pacíficos.
Você aderiu à greve? Não aderiu? O verbo aderir pressupõe uma decisão individual, plena e intransferível. Podemos abraçar uma causa. Apoiar. E podemos decidir não aderir. É inaceitável que manifestantes, sindicalistas uniformizados, barrem trabalhadores, famílias, amedrontem com ferro e fogo pessoas que não querem parar. Brasileiros que desejam trabalhar, comparecer a seus compromissos ou levar doentes aos hospitais, grávidas às maternidades. Vi ambulâncias bloqueadas no acesso à Ponte Rio-Niterói. É inadmissível. Isso é um tiro no pé dos grevistas. Joga a população contra suas causas.
Já fui impedida de viajar de avião uma dezena de vezes do exterior para o Brasil ou de trem dentro da Europa, como turista ou correspondente. Não gostei, mas achava legítima a greve. Greve é um instrumento de pressão e está incorporada às democracias europeias como um direito dos trabalhadores insatisfeitos. O objetivo é atrapalhar. E é essa mesmo a definição de greve. Normalmente é um protesto por salários mais altos e melhores condições de trabalho.
A “greve geral” foi muito mais que uma manifestação contra as reformas – que já haviam sido defendidas pela presidente Dilma Rousseff. A greve tinha como bandeira maior “Fora, Temer”. Convocada por corporações irritadas com o fim do imposto sindical compulsório. Se quiserem fazer uma consulta popular, façam. Quem é a favor de pagar imposto a vida inteira a sindicatos que não nos representam e são poupados do desemprego? (Uma das poucas coisas boas da reforma trabalhista é o fim da contribuição sindical obrigatória. É ela que sustenta os dirigentes de milhares de sindicatos pelegos. São esses os mais encarniçados críticos da reforma trabalhista. Não porque tira direito dos trabalhadores, mas porque tira dinheiro dos sindicatos.)
Em janeiro do ano passado, a então presidente Dilma disse que precisávamos encarar a reforma da Previdência. “Nós estamos envelhecendo mais e morrendo menos. Nossa expectativa de vida nos últimos anos aumentou em torno de quatro a seis anos. Não é possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja de 55 anos.” Será que Dilma achava que não existe déficit na Previdência? (A Previdência precisa de reforma. Mas antes de tudo precisa de cobrar os bilhões de reais que as grandes empresas lhe devem. Só os quinhentos maiores devedores da Previdência devem a ela 426 bilhões de reais)
No fim de 2015, Dilma considerava prioridade regulamentar a terceirização e fazer uma reforma trabalhista “para estimular o emprego e a competitividade”. O então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, insistia em modernizar as relações trabalhistas. O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, explicava as reformas que Dilma queria propor ao Congresso: “Uma é a reforma da Previdência, outra é de desburocratização do nosso sistema tributário, as questões da livre negociação entre empresários e trabalhadores”. O acordo entre os sindicatos dos trabalhadores e dos patrões prevaleceria sobre algumas leis trabalhistas, desde que respeitada a Constituição e convenções da Organização Internacional do Trabalho. Dilma não teve tempo de se incompatibilizar de vez com a CUT. O que mudou? (Quem defende a livre negociação entre patrões e empregados, desconhece a realidade de sindicatos pelegos, cujos presidentes convivem de “cama e mesa” com os patrões. Desconhecem sindicatos dirigidos há dezenas de anos pelos mesmos dirigentes, que passaram a fazer do sindicato um meio de vida. Para eles. Que são capazes de tudo para se manter nos cargos e nem sempre batalhando a favor dos trabalhadores)
Muita gente tem se descabelado contra as reformas por odiar e rejeitar Temer, o ex-vice de Dilma suspeito de ter sido eleito com dinheiro de caixa dois e, hoje, com oito ministros acusados na Lava Jato. A maioria não consegue nem ler na íntegra os textos. Você discorda de alguns itens? Ou acha imexível uma legislação trabalhista que já tem 70 anos? (Admitimos que alguns dispositivos da CLT precisem de reforma. Precisem de ser atualizados. O que não se pode é tirar o direito que o trabalhador conquistou nos últimos cento e tantos anos, com suor e luta. Quem acha que vivemos no melhor dos mundos, talvez só conheça a realidade do sudeste do país. Talvez desconheça a realidade de regiões onde ainda há trabalho escravo).
Uma das poucas pessoas próximas a mim com carteira assinada, regida pela CLT, é a empregada doméstica que vem três vezes por semana a minha casa. Linde saiu de sua casa, como sempre, às 4h30 da manhã, porque prefere dar seu expediente até o início da tarde. Comemorou ter cruzado o túnel da Grota Funda, que liga Guaratiba ao Recreio, antes de ele ser bloqueado. Celebrou ter escapado da greve.
O Brasil real tem 14,2 milhões de desempregados, 45 milhões de trabalhadores informais e profissionais liberais – entre eles eu, meus filhos, minha nora, amigos e filhos de amigos – e 33,4 milhões com carteira assinada. Tenho amigos microempresários, loucos para que a reforma trabalhista seja aprovada, para que possam tornar mais flexíveis e humanas as relações com seus funcionários. (Flexíveis e humanas, podem ser, sem tirar direito dos trabalhadores. O que muitos empregadores querem é aumentar os seus lucros, à custa de seus trabalhadores. Isto sim!)
A sociedade pode contribuir para melhorar os textos das reformas. Não me parece que as brigas de rua entre grevistas e não grevistas sejam o melhor caminho. Que pare quem quiser. Que trabalhe quem quiser. Que os protestos sejam democráticos e pacíficos. Com adesão voluntária.