Míriam Leitão e a covardia da gangue petista

By | 18/06/2017 6:09 am

 

A intolerância burra e preconceituosa viraliza no Brasil. Opinião só é crime em ditaduras

(Ruth de Aquino, colunista da revista Época)

Os ataques verbais de petistas uniformizados à jornalista Míriam Leitão não são um episódio isolado que se pode varrer para debaixo do carpete do avião ou para o porão da consciência nacional. Os xingamentos e deboches dirigidos a Míriam no voo da Avianca, de Brasília ao Rio de Janeiro, são mais um sintoma da enfermidade que viraliza no Brasil, a intolerância burra e preconceituosa. Virtual e real.

 

Os militantes voltavam ao Rio após um congresso do PT. Agiram como arruaceiros covardes. Foi uma bravata encorajada pelo grupo. Estavam protegidos pela superioridade numérica e pela leniência da companhia aérea e do piloto, que nem pediu silêncio pelo alto-falante. Não me venham falar de esquerda ou direita. Foi falta de educação e de civilidade. Pegou mal para o PT, que pediu desculpas em nota.

 

Míriam voltava de uma entrevista em Brasília para a GloboNews em que pressionou duramente o ministro da Justiça, Torquato Jardim, a responder sobre o encontro clandestino entre o presidente Temer e o dono da JBS, Joesley Batista. Ela foi coagida a escutar, da sala de embarque até a aterrissagem, coisas assim: “Terrorista.”  “Tem golpista a bordo.” “Essa aí é agente da CIA.” “Shh, shh, é a Míriam Leitão.” Gargalhadas. Alguns empurravam sua cadeira ao passar pelo corredor. Erguiam o celular.

Uma tripulante a convocou a mudar de assento. Míriam respondeu: “Diga ao comandante que eu comprei a 15C e é aqui que eu vou ficar”. Os hooligans tentavam provocar uma reação intempestiva. Um deles se levantou da cadeira, virou as costas para Míriam e soltou um p… “Gases acontecem”, falou, rindo. Uma vulgaridade que Míriam não teve coragem de relatar em sua coluna no jornal O Globo, intitulada “Ódio a bordo”. A gangue só divulgou um clipe de 20 segundos em que o grupo gritava palavras de ordem contra a TV Globo. Não aparecia o rosto de ninguém.

 

Telefonei para Míriam após a repercussão mista de solidariedade e ódio nas redes sociais. Alguns petistas davam outra versão, tentando desacreditá-la – assim como se desqualifica uma vítima de estupro ou de abuso. Diziam que ela “precisa arcar com o ônus” de sua opinião e “não tem imunidade por ter lutado contra a ditadura”. Quanta besteira. Primeiro, opinião só é crime em ditaduras. Segundo, o ônus de se expressar numa democracia é aguentar a discordância, não o linchamento moral. Míriam não deseja imunidade. E sim o direito ao debate e à argumentação, como qualquer cidadã que exerce seu ofício honestamente.

 

“Acabo de visitar o baú de minhas dores guardadas [com o livro do filho Matheus Leitão Netto, Em nome dos pais]”, diz Míriam. “Aí, entro num lugar fechado, 45 anos depois, e esse grupo me faz lembrar nitidamente da cena em que militares jogavam os cachorros em cima de mim me chamando de terrorista. Quando saí do aeroporto, a vontade era correr para casa. Eles não eram jovens radicais, entusiasmados, idealistas. Eram profissionais do PT, alguns viajando juntos desde o congresso do Recife em 2001. Sou golpista porque mostrava, com números e fatos, como Dilma dobrou o número de desempregados de 6 milhões para 12 milhões? Faço terrorismo econômico porque já em 2010 eu criticava a manipulação de índices fiscais e previa a crise e a recessão que hoje aprisionam e entristecem o país?”

 

Esses agressores provavelmente nem leem o que Míriam escreve. Mas ouvem Lula gritar, em comício em São Paulo, que “essa Míriam Leitão não acerta uma”, “só dá palpite errado”, e que, se ele for reeleito presidente, vai nomeá-la para o Ministério da Fazenda para “dar uma chance a essa moça”. Lula esquece – ou nunca leu – que Míriam já elogiou o Bolsa Família, as cotas para negros, a política econômica e ambiental do primeiro mandato lulista. Lula precisa parar de insuflar a militância para a guerra. Ao citar nomes de jornalistas em tom jocoso, Lula faz o mesmo que Donald Trump nos Estados Unidos. A guerra à mídia e à imprensa é típica de populistas. Vemos o que Nicolás Maduro faz na Venezuela. Ou o que fazia Cristina Kirchner, na Argentina, ao incitar ataques ao grupo Clarín. Ou, pior, o presidente turco Erdogan, que já condena jornalistas à prisão perpétua.

 

Em Cuba, os Castros nunca admitiram dissensões e só existe um jornal, do Partido. Lembram como a blogueira cubana Yoani Sánchez foi hostilizada ao vir ao Brasil em 2013?

 

A intolerância se alimenta do ódio ao diferente, ao que não pensa igual, não se veste igual, não se comporta igual. Pode levar à perda das liberdades e até mesmo da vida, quando a turba justiceira amarra um pretenso ladrão a um poste ou tatua um adolescente na testa por furto. Quando um grupo se arvora o direito de constranger, assediar e linchar, moral ou fisicamente, uma pessoa – e na maioria das vezes essa pessoa é mulher ou negra ou homossexual ou pobre –, perde-se a dignidade humana. Perde-se toda e qualquer razão.

Comentário

Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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