Partidos que investem em Huck apostam no golpe do outsider

By | 19/11/2017 5:41 am

 

(Demétrio Magnoli, colunista da Folha)

 

Aécio Neves enxerga no ensaio de candidatura de Luciano Huck a “falência da política”. É mais um álibi de uma figura incapaz de admitir suas responsabilidades. O espectro de Huck emerge da falência dos políticos —especialmente do PSDB.

 

A leitura superficial das mais recentes pesquisas de opinião indica a probabilidade de um segundo turno entre Lula (algo em torno de 35%) e Jair Bolsonaro (perto dos 15%). Seria o cenário dos sonhos de Lula: nada mais perfeito que concorrer com um ultranacionalista primitivo, autoritário, cercado por um cortejo sombrio de policiais dos costumes.

 

A hipótese não deve ser descartada, mas colide com a principal informação das sondagens: cerca de 50% do eleitorado rejeita as duas candidaturas salvacionistas, que são as únicas amplamente conhecidas. É como se metade dos cidadãos estivesse pedindo uma alternativa moderada, limpa e reformista.

 

Em tempos normais, o PSDB seria o estuário dessas expectativas. Contudo, sob o comando de Aécio, os tucanos afundaram no lodo.

 

Primeiro, em nome do impeachment, queimaram os princípios mais básicos no altar sacrificial de Eduardo Cunha. Depois, hábito antigo, engalfinharam-se em crônicas disputas internas entre caciques que enxergam na Presidência um espólio de guerra. Finalmente, uma ala incorrigível, mas talvez majoritária, perfilou-se na defesa de Aécio, o líder que pede favores aos bandoleiros da JBS. “Falência da política” ou falência de Aécio?

 

Não é só Aécio, como atestam os movimentos do centro político na direção de Huck. Celebridade do mundo do entretenimento, Huck não oferece nem o esboço de um discurso político coerente, mas exibe sua possível candidatura como uma dádiva misericordiosa ao Brasil.

 

Os partidos que investem nessa postulação, notadamente o PPS, apostam no clássico golpe do outsider.

 

Geralmente, os “salvadores da pátria” situam-se na esquerda ou na direita. Por aqui, inventamos o salvacionismo centrista. O nome disso não é “falência da política”, mas falência do centro político, que renuncia a fazer política, entregando-se a uma oportunista estratégia de marketing.

 

“Não temos um De Gaulle —alguém capaz de dar um sentimento de que estamos juntos”, constatou FHC, referindo-se ao colapso da Quarta República francesa. Vivemos um colapso similar, o da Nova República proclamada em 1985, mas não precisamos de um De Gaulle —e muito menos de um Huck. Um périplo no eixo Paris-Buenos Aires sugere que a política tem os meios para solucionar os impasses de uma democracia.

 

Na França, um rumo de reformas emergiu da articulação conduzida por Emmanuel Macron, um líder inteligente e ousado, mas não um sucedâneo carismático de De Gaulle. Macron operou uma cirurgia no sistema partidário, envolvendo a sociedade civil na criação de um novo partido de centro. Derrotou os nacionalistas de Le Pen, resgatando a França (e a União Europeia) da beira de um precipício. Nas campanhas das presidenciais e das legislativas, escolheu dizer a verdade, oferecendo um receituário de amargas mudanças na legislação trabalhista e no sistema previdenciário. Nada garante seu sucesso, mas o exemplo da Argentina indica que o fracasso não é inevitável.

 

Mauricio Macri, eleito em 2015 por escassa margem, acaba de impor uma dura derrota à máquina populista do kirchnerismo, vencendo as legislativas. Isso, na hora de uma retomada inicial do crescimento, após um ajuste que envolveu retração econômica, repique inflacionário, redução da renda e do emprego. O sucesso no teste eleitoral prova que Macri pode não apenas se tornar o primeiro presidente não-peronista a concluir seu mandato desde a redemocratização mas também conquistar um segundo mandato.

“Falência da política”? Não: falência do nosso centro político, que prefere a prestidigitação à política. Fora do caldeirão do Huck, há tempo para corrigir.

 

Comentário do programa – “Outsider” é um estranho, uma pessoa de fora da atividade. A referência é pelo fato de Huck não ser um político profissional. O risco é este. Sem experiência um “outsider” pode ser jogado às feras, pois vai ter diante de si políticos profissionais cheios de malícia e de vícios. (LGLM)

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Category: Opinião

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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