(Hélio Schwartsman, colunista da Folha)
Para os dicionários, “homem público” é o indivíduo que se consagra à política ou que ocupa um alto posto no Estado. Já “mulher pública” significa “puta” mesmo. E o “dinheiro público”? Está mais para a versão masculina do adjetivo ou para a feminina?
Embora homens públicos sempre mencionem o dinheiro público como algo ao qual se reservam as mais elevadas considerações, o que verificamos na prática é que ele é frequentemente tratado como mulheres públicas, isto é, submetido às mais variadas formas de abuso, tanto no sentido de delito penal, como no moral.
A primeira parte é autoevidente em tempos de Lava Jato. Cumprem pena por desviar dinheiro público várias categorias de homens públicos, incluindo um ex-presidente. A fila dos envolvidos que aguardam pronunciamento da Justiça é maior que a de bordel em dia de pagamento.
Já a segunda, até por ser mais difícil de visualizar, se revela mais pervasiva, quase insidiosa. As pessoas agem como se o dinheiro público fosse um recurso infinito que se materializa a um toque de caneta dos homens públicos. Um setor enfrenta dificuldades? É só pedir um subsídio ao governo. Empresários fizeram maus investimentos e não conseguem pagar os empréstimos que contraíram? É só berrar bem alto e obter um perdão de dívidas.
Se o homem público à frente do governo estiver sob o risco de ser preso por ter desviado dinheiro público, até quem não pediu nada recebe alguma subvenção oficial. Eu, por exemplo, ganhei diesel mais barato.
O problema desse sistema generoso é que os recursos não são infinitos, o que significa que é a população que acabará pagando por todas as vantagens oferecidas. Mas, como o regime tributário é opaco, o benefício é bem mais visível que os ônus, de modo que poucos reclamam.
Não sou moralista, mas se quisermos mudar as coisas por aqui, teremos de tratar o dinheiro público menos como mulheres públicas e mais como “moças donzelas”.