Governo Bolsonaro acerta na intenção de enfatizar o caráter voluntário das contribuições sindicais, mas erra ao impor regras sem aviso e negociação
(Editorial da Folha)
Com a edição da medida provisória 873, o governo Jair Bolsonaro (PSL) promoveu mais uma alteração na cobrança das contribuições destinadas a sustentar os sindicatos.
A MP tem como propósito principal reforçar o caráter voluntário dos aportes feitos pelos empregados —acertadamente estabelecido na reforma da CLT em 2017, mas com frequência ignorado em decisões da Justiça Trabalhista.
Nos últimos meses, com efeito, muitos sindicatos vinham obtendo liminares favoráveis ao pagamento obrigatório de taxas referendadas em assembleias ou negociações coletivas, não raro apenas de fachada e pouco representativas.
Como reação ao que o governo entende como ativismo judicial contrário aos princípios da reforma, a MP impõe autorização prévia individual do trabalhador, por escrito, para a cobrança da contribuição. Veda-se ao sindicato o uso de qualquer mecanismo que busque caracterizar a aceitação tácita por parte do associado.
Outra inovação, cuja constitucionalidade certamente sofrerá questionamento, é proibir descontos em folha, praticados há décadas. Doravante, haverá necessidade de um boleto bancário ou outro meio eletrônico de pagamento.
Não surpreende que a medida, assinada às vésperas do Carnaval, já provoque veemente reação contrária das entidades sindicais, pressionadas por uma queda abrupta na arrecadação —em 2018 elas coletaram cerca de R$ 500 milhões, numa queda de quase 90% em relação ao ano anterior.
Haverá, decerto, forte pressão das centrais para alterar ou derrubar o texto durante sua tramitação no Congresso.
O governo está correto ao tentar eliminar dúvidas quanto ao caráter voluntário e individual das contribuições, princípio consagrado na reforma trabalhista e validado pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas erra no modo —ao não dialogar com os sindicatos e dar margem a interpretações de que promove uma ofensiva contra eles.
Um enfrentamento pode se mostrar contraproducente agora, quando entidades começam a reconhecer que precisam modernizar a estrutura de representação.
Recorde-se que, em paralelo ao fim da contribuição compulsória, outro princípio fundamental do redesenho da CLT foi enfatizar a prevalência do que é livremente negociado entre patrões e empregados sobre os ditames legais. Essa lógica pressupõe sindicatos independentes e representativos.
Evidente que o governo não tem o papel de fomentar organizações laborais, mas pode contribuir na busca de uma legislação razoável para o funcionamento delas.
Comentário do programa – Na sua sanha contra os sindicatos, não respeita nem os dispositivos da CLT modificados na reforma trabalhista para compensar o fim da contribuição sindical obrigatória, principalmente aquele que enfatiza “a prevalência do que é livremente negociado entre patrões e empregados sobre os ditames legais”. Ao mesmo tempo o Governo acena com o fim da unicidade sindical que seria uma forma de promover os sindicatos realmente representativos dos interesses dos trabalhadores. Mas para valorizar os sindicatos, o Governo tem que promover também uma mudança importante para isso. Garantir que as conquistas dos sindicatos só aproveitem aqueles trabalhadores que participem do respectivo sindicato. Não tem sentido, um trabalhador que não contribui nem participa de um sindicato, receber integralmente o resultado das conquistas que só deveriam ser concedidas a quem participou e contribuiu para aquele sindicato. Uma alternativa seria a criação, em favor do sindicato, de uma contribuição de quem quisesse ter o mesmo direito de quem é sindicalizado. Esvaziar os sindicatos, assim como enfraquecer a fiscalização do trabalho, só interessa às empresas, na maioria delas desejosas de sonegar os direitos dos trabalhadores. (LGLM)