Enquanto Bolsonaro tiver poder para atrapalhar, a única comunicação eficiente, infelizmente, será a dos óbitos

By | 02/04/2021 1:10 pm

Ignorem o presidente

Nem se deve perder tempo corrigindo as bobagens de Bolsonaro acerca do estado de sítio e do direito de ir e vir

(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, 02/04/2021)

O Brasil chegou ao ponto em que é urgente deixar de dar ouvidos ao que diz o presidente da República. Jair Bolsonaro se tornou em si mesmo um ruído que desnorteia os brasileiros sobre como devem se comportar diante da pandemia de covid-19, que no momento mata mais de 3 mil pessoas por dia no País (ver abaixo o editorial O quadro da pandemia).

Nenhum esforço de comunicação no sentido de orientar corretamente os cidadãos a respeito das medidas de prevenção será bem-sucedido enquanto o chefe de governo continuar contrariando as mensagens das próprias autoridades federais mobilizadas contra o vírus, reunidas no chamado Comitê de Coordenação Nacional para o Enfrentamento da Pandemia de Covid-19.

Esse comitê realizou na quarta-feira passada sua primeira reunião formal. A lista de participantes mostra a importância que se pretende dar a essa iniciativa. Estavam presentes o presidente Bolsonaro, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, das Comunicações, Fábio Faria, da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, e da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, além de representantes do Ministério da Justiça, do Judiciário e do Ministério Público.

Pois bem. Ao final desse encontro, o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco falaram com os jornalistas como se fossem os líderes de fato da iniciativa – o presidente Bolsonaro, a quem cabe formalmente a direção do grupo, já não estava no local.

Os parlamentares informaram que o comitê discutiu a centralização das ações no Ministério da Saúde e também a compra de vacinas pela iniciativa privada, além de outras medidas já aprovadas pelo Congresso. O senador Pacheco, então, enfatizou a necessidade de um “alinhamento da comunicação social do governo e da assessoria de imprensa do presidente da República no sentido de haver uma uniformização do discurso de que é necessário se vacinar, de que é necessário usar máscara e higienizar as mãos e de que é necessário o distanciamento social, de modo a prevenirmos o aumento da doença em nosso país”.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçou essa mensagem. Embora tenha se empenhado em não contrariar demais o chefe, ao dizer que é muito difícil adotar medidas mais duras de isolamento social – de resto atacadas dia e noite por Bolsonaro –, o ministro pediu que a população evitasse “aglomerações desnecessárias” no feriado e sublinhou que “é importante usar máscara, manter o isolamento”.

Quando parecia que finalmente o governo federal havia decidido parar de sabotar não só as vacinas, mas também as medidas de distanciamento e o uso de máscaras, eis que o presidente Bolsonaro, minutos depois das declarações dos integrantes do comitê, saiu de seu gabinete e, a título de falar sobre a volta do auxílio emergencial, desatou a criticar as restrições impostas por governadores para conter a pandemia.

Sem máscara, Bolsonaro declarou que “o Brasil tem que voltar a trabalhar” e disse que as determinações dos governadores “têm superado em muito até mesmo o que seria um estado de sítio”, pois envolvem “supressão do direito de ir e vir”.

Nem se deve perder tempo corrigindo as bobagens de Bolsonaro acerca do estado de sítio e do direito de ir e vir. O mais grave é a reiteração de declarações que prejudicam todo o trabalho de esclarecimento da população sobre os cuidados a serem tomados para evitar a covid-19.

Embora seja chocante, tal comportamento não surpreende. Bolsonaro só engoliu o tal comitê de enfrentamento da pandemia por pressão do Centrão, o grupo político que lhe dá sobrevida. Quando perceberam o potencial de letalidade da pandemia sobre seus projetos eleitorais, esses oportunistas trataram de enquadrar Bolsonaro, forçando-o não só a formar o comitê, com um ano de atraso, como a acelerar a vacinação. De quebra, o presidente, ao anunciar a iniciativa, há alguns dias, apareceu de máscara, para simular seriedade.

Mas nem o comitê é muito efetivo – afinal, não tem representantes de prefeitos e de governadores, que lidam diretamente com a pandemia – nem o presidente é sério. Enquanto Bolsonaro tiver poder para atrapalhar, a única comunicação eficiente, infelizmente, será a dos óbitos.

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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