Pandemia não anula a Constituição

By | 11/04/2021 2:31 pm

Constituição dá à minoria parlamentar instrumentos para fiscalizar o Executivo. Foi esse o teor da decisão do ministro Barroso

(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo)

Nenhuma circunstância excepcional, nem mesmo a maior crise de saúde em um século, justifica que se ignore a Constituição. E a Constituição confere à minoria parlamentar instrumentos para fiscalizar o Executivo. Foi esse, em essência, o teor da decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ordenando que o Senado instaure uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), pedida por senadores de oposição, para apurar responsabilidades pela desastrosa administração da pandemia de covid-19.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vinha procrastinando a instalação da CPI, sob o argumento de que o momento exige a total atenção das instituições no combate à pandemia. Ou seja, investigar a origem e a autoria dos gritantes erros que colaboraram para a disparada do número de mortos e para o colapso do sistema hospitalar era considerado secundário.

Mas, como bem lembrou o ministro Barroso, não cabe ao presidente do Senado adiar a abertura de uma CPI, em razão de suas conveniências políticas, se o requerimento de instalação da comissão cumprir os requisitos constitucionais – número mínimo de assinaturas, existência de fato determinado e limite de tempo de investigação. No caso da CPI da Pandemia, esses requisitos haviam sido atendidos, como demonstraram os senadores no mandado de segurança que apresentaram ao Supremo para contestar a procrastinação.

O ministro Barroso foi didático ao explicar, em seu despacho, que a CPI é instrumento que “viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática”. Isso fica claro, disse o ministro, quando se observa que o quórum necessário para a abertura da CPI “é de um terço dos membros da Casa legislativa, e não de maioria”, razão pela qual “sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante ou mesmo ao alvedrio dos órgãos diretivos das Casas legislativas”.

Há precedentes para a decisão do ministro Barroso: igualmente provocado por parlamentares de oposição, o Supremo mandou instalar a CPI dos Bingos, em 2005, para apurar escândalo envolvendo um ex-assessor do então ministro da Casa Civil, o petista José Dirceu; e a CPI do Apagão Aéreo, em 2007, para investigar problemas no sistema de tráfego aéreo após o choque entre um Boeing e um jatinho que matou 154 pessoas um ano antes. Nos dois casos, o Supremo interveio em razão das tentativas das Mesas Diretoras do Congresso de adiar a instalação das comissões, violando o direito da minoria.

O presidente do Senado disse que vai cumprir a determinação do ministro Barroso, mas declarou que se trata de “um ponto fora da curva” ante “a gravidade da pandemia”, que “nos exige união”. Além disso, declarou que a CPI pode ser “o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia” e que pode servir como “palanque político”, em “antecipação de discussão político-eleitoral de 2022”, em referência à eleição presidencial.

O raciocínio é flagrantemente falacioso, em muitas dimensões. Em primeiro lugar, “ponto fora da curva” é descumprir a Constituição. Em segundo lugar, se há “insucesso” no enfrentamento da pandemia, não se deve a nenhuma CPI, que nem existe ainda. Ademais, quem tem usado a pandemia para antecipar a campanha eleitoral é o presidente Jair Bolsonaro. Por fim, mas não menos importante, se quer “união”, o presidente do Senado deve cobrá-la não do Supremo, que está somente cumprindo seu papel constitucional, e sim de Bolsonaro, cuja especialidade é desunir.

Bolsonaro reagiu à decisão do ministro Barroso da maneira habitual. Disse que “falta coragem moral” e “sobra ativismo judicial” ao ministro, a quem acusou de fazer “politicalha”, em conjunto com a oposição, “para desgastar o governo”.

Nem parece o Bolsonaro que, em 2007, aplaudiu a instalação da CPI do Apagão Aéreo, na expectativa de que desgastasse o governo do petista Lula da Silva. Em discurso na Câmara, o então deputado Bolsonaro declarou, sobre a responsabilidade pela crise, que “o comandante, o chefe, é sempre responsável por tudo o que acontece ou deixa de acontecer em seu quartel”.

Pois é justamente disso que se ocupará a CPI da Pandemia.Afinal

 

Nossa opinião – Quem não deve, não teme. Por que Bolsonaro tem tanto medo da CPI?

 

Comentário

Comentário

Category: Blog

About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *