Radiografia da irresponsabilidade (Análise do TCU)

By | 16/04/2021 7:54 am

Análise do TCU sobre o trabalho do Ministério da Saúde na pandemia é uma radiografia da irresponsabilidade do governo

(Editorial do jornal O Estado de S. Paulo)

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou na quarta-feira um contundente relatório de avaliação acerca do trabalho do Ministério da Saúde no combate à pandemia de covid-19. Trata-se da mais nítida radiografia já produzida até aqui acerca da irresponsabilidade do governo federal na administração da crise. Conclui-se que o Ministério da Saúde empenhou-se mais em livrar-se de suas obrigações do que em organizar o combate à pandemia, que obviamente é sua atribuição precípua.

Quadro semelhante se observa na ação que o Ministério Público Federal (MPF) moveu, também na quarta-feira, contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Depois de uma investigação de três meses, o MPF decidiu acusar o intendente e mais cinco dirigentes do Ministério de improbidade administrativa por “omissões sucessivas” e lentidão na tomada de decisões, num cenário de recrudescimento da pandemia.

Recorde-se que Pazuello já é objeto de inquérito da Polícia Federal, que apura sua parcela de responsabilidade, como ministro da Saúde, pela falta de cilindros de oxigênio para o tratamento de doentes de covid-19 em Manaus, o que resultou em dezenas de mortes por asfixia. E o intendente provavelmente será chamado a depor na recém-instalada Comissão Parlamentar de Inquérito que investigará as ações e omissões do governo na pandemia.

Aos poucos, portanto, o governo do presidente Jair Bolsonaro começa a ser finalmente pressionado a responder, nos âmbitos judicial e político, por seu comportamento inconsequente, quando não delinquente, diante da pandemia. Os mais de 360 mil mortos e o total descontrole do vírus, com efeitos dramáticos sobre a economia, não são fruto do acaso.

“Envergonha-nos a gestão que o Ministério da Saúde vem realizando com relação a esse quadro tenebroso da crise da covid-19”, disse o ministro Bruno Dantas, do TCU, durante a apresentação do relatório. Ele cobrou a responsabilização imediata dos gestores do Ministério arrolados no processo, a começar por Pazuello, mas sugeriu que a atribuição de culpa pode atingir o chefe do então ministro: “Até o rei pode ser responsabilizado”.

Não seria absurdo, uma vez que o intendente Pazuello – aquele que manifestou publicamente obediência total a Bolsonaro – não agiria do modo infame como agiu se não contasse ao menos com o aval do presidente, que desde sempre se comportou como se não tivesse nada a ver com a crise.

O resultado de tamanha omissão foi detalhado pelo relator do processo, ministro Benjamin Zymler: “A segunda onda (da pandemia) era anunciada e exigia preparo, o que não aconteceu. A comunicação não ocorreu. A testagem não ocorreu”. Também não ocorreram ações de estímulo ao distanciamento social, ao mesmo tempo que o Ministério fez campanha para “o uso de medicamentos com eficiência duvidosa”, menosprezando seus efeitos adversos, como destaca o Ministério Público em sua ação.

O conjunto de investigações sobre a conduta do governo Bolsonaro ganha especial importância no momento em que uma CPI se dedicará ao assunto. O presidente demonstrou preocupação com o cerco, ao subir o tom de suas ameaças contra outros Poderes.

Fora a gritaria, Bolsonaro provavelmente conta com a proteção do Centrão, mas deveria saber que essa proteção não é garantida, pois, à medida que a crise se amplia e o cerco se fecha, o preço do apoio do Centrão sobe. Bolsonaro pode se tornar politicamente insolvente se resolver contrariar os senhores de seu governo e, por receio de cometer crime de responsabilidade, vetar o Orçamento maquiado para acomodar emendas parlamentares. Conforme noticiou o Estado, o presidente da Câmara, Arthur Lira, prócer do Centrão, avisou Bolsonaro que, se houver veto, o governo não aprovará mais nada no Congresso. Ou seja, anuncia-se, com todas as letras, que após o tombo virá o coice.

Assim, mesmo tendo se empenhado nos últimos tempos em construir uma rede de apoio no Supremo, no Congresso e nos órgãos de fiscalização e controle, o presidente enfrenta o desgaste de quem decidiu abrir várias frentes simultâneas de guerra. A única guerra que ele deliberadamente decidiu não lutar é contra o vírus – mas o País começa a se mobilizar para responsabilizá-lo por sua deserção.

 

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About Luiz Gonzaga Lima de Morais

Formado em Jornalismo pelo Universidade Católica de Pernambuco, em 1978, e em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, em 1989. Faz radiojornalismo desde março de 1980, com um programa semanal na Rádio Espinharas FM 97.9 MHz (antiga AM 1400 KHz), na cidade de Patos (PB), a REVISTA DA SEMANA. Manteve, de 2015 a 2017, na TV Sol, canal fechado de televisão na cidade de Patos, que faz parte do conteúdo da televisão por assinatura da Sol TV, o SALA DE CONVERSA, um programa de entrevistas e debates. As entrevistas podem ser vistas no site www.revistadasemana.com, menu SALA DE CONVERSA. Bancário aposentado do Banco do Brasil e Auditor Fiscal do Trabalho aposentado.

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