Marcelo Queiroga afirmou que o País estaria melhor se a população seguisse protocolos sanitários. Ele poderia dizer isso ao chefe
23 de abril de 2021 | 03h00
“Se a população estivesse usando máscaras, mantendo o distanciamento, evitando aglomerações, se houvesse um programa de testagem mais adequado, isolamento de casos positivos e dos seus contactantes, se fizéssemos a disciplina dos transportes urbanos e para o funcionamento dos setores estratégicos, os senhores podem ter certeza de que não estaríamos vivendo o momento que estamos vivendo hoje”, explicou, didaticamente, o ministro Queiroga.
A declaração do ministro da Saúde prima pela obviedade. Desde o início da pandemia, lá se vai mais de um ano, já se sabe que a única forma de evitar a contaminação é manter a população em isolamento. Já se sabe também que o uso de máscaras é determinante para impedir a proliferação do vírus entre aqueles que, por um motivo ou outro, precisam sair de casa. Também é do conhecimento de todos, há muito tempo, que é preciso fazer testagem ampla e sistemática para identificar focos de contaminação e isolar os casos detectados.
Queiroga, convém recordar, é o quarto ministro da Saúde do governo Bolsonaro. Mais do que isso: é o quarto ministro dentro do período da pandemia, justamente quando era mais necessário um planejamento sólido do Ministério da Saúde para o enfrentamento da doença. Nada disso é possível quando, a cada troca de ministro, se trocam também os principais assessores e mudam as diretrizes.
Para piorar, sabe-se muito bem que Bolsonaro fez suas tantas mudanças no Ministério da Saúde não na tentativa de melhorar o trabalho da pasta, mas sim de subjugá-la a seus propósitos eleitoreiros e a suas extravagâncias pessoais. Descontente com ministros que defendiam medidas duras e impopulares para combater o vírus, o presidente preferiu dar ouvidos aos negacionistas que insistiam em minimizar a pandemia e não sossegou enquanto não encontrou um sabujo que lhe dedicasse integral vassalagem.
Esse dócil ministro, o intendente Eduardo Pazuello, fez exatamente o que o presidente dele esperava, colaborando de maneira decisiva para atrasar a vacinação e para ignorar a tarefa central do Ministério da Saúde, que é a de coordenar os esforços nacionais contra a pandemia.
Diante do recrudescimento da pandemia, Bolsonaro cedeu à pressão das forças políticas que o sustentam e, muito a contragosto, demitiu Pazuello. Para seu lugar, o presidente escolheu o médico Marcelo Queiroga – que, se pouco está fazendo para reparar o descalabro que seu antecessor deixou, ao menos dá declarações sensatas, como as que fez à Confederação Nacional de Municípios.
Na ocasião, o ministro, talvez de modo involuntário, praticamente forneceu à CPI da Covid um roteiro pronto e acabado para as investigações. Quando citou a falta de incentivo para o uso de máscaras e para evitar aglomerações, o ministro expôs o comportamento inconsequente do presidente Bolsonaro, que raramente aparece de máscara e frequentemente incita aglomerações. Quando mencionou a importância de um “programa de testagem mais adequado”, trouxe à memória o caso do desperdício de 3,7 milhões de testes que o Ministério deixou vencer e também o fato de que o governo abandonou as metas de testagem, já que não conseguiu cumprir nenhuma. Por fim, quando citou a necessidade de isolamento, o ministro evidenciou a notória irresponsabilidade do presidente, que faz campanha sistemática contra o distanciamento social.
O ministro Queiroga aproveitou o ensejo para informar que, mais de 380 mil mortos depois, o Ministério da Saúde finalmente fará uma “orientação geral” sobre o uso de máscaras e outras medidas preventivas. Pode até ser uma iniciativa honesta, mas, depois de um ano de negacionismo, de sabotagem e de desorientação criminosa por parte do governo e do presidente Bolsonaro, soa como piada de mau gosto.